São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Dops queria saber se ufólogos eram 'subversivos'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

A investigação "extraterrestre" do Dops tem origem num fato ocorrido no dia 28 de abril de 1974, nas proximidades de Guarantã (423 km a noroeste de São Paulo).
Naquele dia, conforme relato enviado ao diretor do Dops pelo delegado Hermínio José Theodoro, "Guarantã foi abalada pela notícia de que o indivíduo Onilson Patero fora 'sequestrado' por um 'DISCO VOADOR' há (sic) 12 quilômetros desta cidade".
O caso Patero, como ficou conhecido, teve grande repercussão na mídia. Comerciante, estabelecido em Catanduva (385 km a noroeste de São Paulo), ele afirmava ter tido dois contatos com óvnis.
O primeiro teria ocorrido em maio de 73, numa rodovia próxima a Catanduva. No segundo "encontro", que causou maior alvoroço, Patero sumiu por seis dias.
O carro do comerciante foi encontrado abandonado numa rodovia no interior de São Paulo na manhã do dia 29 de abril e ele reapareceu após seis dias numa fazenda em Colatina, no Espírito Santo.
No relatório que enviou ao Dops, o delegado Theodoro observa que, ao narrar para jornalistas a sua viagem num disco voador, Patero estava na companhia de quatro "elementos estudiosos da Associação de Estudos dos óvnis".
O delegado se apressa em identificar os estudiosos e pedir ao Dops que os investigue, na tentativa de ajudar a esclarecer se, de fato, Onilson Patero viajou num disco voador de Guarantã a Colatina.
Romeu Tuma
Em São Paulo, a investigação foi comandada por Roberto Quass, à época delegado-adjunto do Serviço de Informações (SI) do Dops.
O SI era então comandado pelo hoje senador Romeu Tuma (PFL-SP), que, segundo mostra um documento, tomou conhecimento da principal investigação sobre os óvnis "vistos" pelo comerciante Onilson Patero.
Entre os ufólogos que estiveram com Patero em Guarantã e serão investigados pelo Dops, estão dois dos pioneiros da ufologia no país, Max Berezovsky e Willi Wirtz.
É o delegado Quass que toma os depoimentos de Berezovsky e Wirtz, à época integrantes da Associação Brasileira de Estudos das Civilizações Extraterrestres. Os depoimentos à polícia foram dados no dia 11 de outubro de 74, quase seis meses após o caso Patero aparecer nos jornais.
"Os Invasores"
O médico Berezovsky, ainda hoje um ufólogo atuante em São Paulo, afirmou em seu depoimento que considerava verdadeiro o relato de Onilson Patero sobre o seu primeiro encontro com um disco voador, mas via sinais de que o segundo encontro fora inventado.
Por sua vez, o professor Wirz, já morto, disse à polícia que considerava falsos os dois "encontros" de Patero com discos voadores.
Segundo Wirz, a história contada pelo comerciante de Catanduva era "completamente inconsistente, com muitos pormenores que lembram filmes de televisão, principalmente a série 'Os Invasores"'.
A pedido da polícia, os dois ufólogos fornecem informações sobre outros ufólogos e pedem que suas declarações sejam classificadas como "confidenciais", para "evitar que o sr. Onilson Patero, ao tomar conhecimento destas, explore mais uma vez o tema, chamando a atenção para a sua pessoa".
No final de outubro, o delegado Quass parece se dar por satisfeito com os depoimentos de Berezovsky Wirz e aceita a conclusão de que Onilson Patero é um "mitômamo", que "apresenta certa alteração neurológica".
Reviravolta
O seu relato é enviado ao delegado Romeu Tuma, que o encaminha ao então diretor-geral do Dops, Lúcio Vieira. O caso parece encerrado -mas será reaberto.
Em janeiro de 75, a investigação sofre uma reviravolta -e os ufólogos de São Paulo é que passam a ser investigados.
Um documento com carimbo do 2º Exército, enviado ao Serviço de Informações do Dops, relata que "tem havido reuniões de cunho duvidoso" na casa de Max Berezovsky e num clube israelita em Higienópolis (centro de SP).
Nessas reuniões, "com a idéia de se realizar debates sobre Estudos das Civilizações Extraterrestres (discos voadores), buscam contatos com estudantes e outros elementos, possivelmente ligados à subversão, para discussão e combate ao governo constituído".
É este relato anônimo que leva o Dops a infiltrar agentes nas reuniões dos ufólogos paulistanos.
Berezovsky tem certeza de que, no período, teve todos os seus telefones grampeados e era vigiado pela polícia. O que se pode afirmar com certeza é que um agente do Dops assistiu, disfarçado, uma reunião dos ufólogos, em 27 de junho de 75, e relatou detalhes do que viu e ouviu a seus superiores.
Gente crente
Num texto saboroso, porque surreal, o agente relata que "o conferencista (Flávio Augusto Pereira) discorreu sobre a problemática dos discos voadores, transmitindo inúmeras teorias e informações sobre o assunto".
Mais adiante, o agente informa que "a posição do orador ficou manifesta sobre a existência de tais objetos, como civilizações de outros planetas e galáxias, parecendo também evidente que a maioria dos presentes é aficionada e crente no assunto".
Por fim, o agente do Dops informa que os ufólogos estão em campanha de novos sócios e, o mais importante, que não observou "qualquer comentário, atitude ou alusão política" no encontro.
Assim, com a conclusão favorável do agente, observa o historiador Cláudio Suenaga, "encerrava-se um dos mais insólitos processos movidos durante o período pelo Estado brasileiro".
(MSy)

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