São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 1997
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Podres nossos: dos campos de bola às Alagoas

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mais uma vez todo mundo horrorizado diante da televisão revelando o conteúdo de uma fita -agora de gravador, denunciando a corrupção entre o futebol e a política.
As gravações obtidas pela TV Globo contêm diálogos em que o ex-dirigente da Conaf (Comissão Nacional de Arbitragem de Futebol), Ivens Mendes, pediria a presidentes de clubes de futebol (e obteria) dinheiro para sua campanha a deputado federal, em troca de favorecimento nos jogos.
É estranho. De uma hora para outra, resolveu-se pingar colírio na nossa cegueira voluntária, destampar a surdez proposital. Então tudo parece simples: a sociedade brasileira se divide em malandros e otários, a propósito de uma frase de Graciliano Ramos.
Muito antes de tudo isso existir sob esses nomes, o escritor já descrevia com precisão nossas CPIs, nossos impeachments, nossos casos PC Farias, Candelária, Corumbiara, Polícia de Diadema e, agora, Ivens Mendes. Ramos escreveu:
"Um punguista me afirmou há tempo que a sociedade se compõe de malandros e otários. (...) Inútil querermos destruir a ordem natural (...).
Em primeiro lugar vêm os ladrões (...) com hábitos e linguagem especiais, regras complicadas, uma hierarquia de numerosos graus (...), intermediários de colarinho ou sem colarinho (...).
Os graúdos fogem às perseguições, os de somenos valia morrem na emboscada, como é de justiça. (...) O júri absolve o assassino e condena o ladrão, mas às vezes se atrapalha no julgamento. (...) Além dessas criaturas temíveis, há os negociantes de cavalos (...). Adotam ocupação lícita e são hábeis, ardilosos, capazes de dar lições a rato."
Os homens flagrados nessas fitas do futebol incluem-se na classe dos negociantes de cavalos -até porque futebol é uma coisa cavalar, que acavala os homens-, tamanho o ardil arranjado em molhos de chaveiros e outras mesquinharias.
E esse caso é exemplar de como nasce a canalha da política brasileira, de que tipo de associação se origina, e de que tipo de expediente se utiliza para adquirir poder -não demonstram qualquer pudor, qualquer preocupação com a ética, são indiferentes a qualquer indício de lei ou moralidade.
*
E Alagoas? O governador de Alagoas, Divaldo Suruagy (PMDB), apareceu raivoso na televisão na semana passada, por conta da invasão dos funcionários públicos ao palácio do governo. Há oito meses os funcionários não recebem salário e passam fome.
Suruagy mandou a Tropa de Choque expulsar o povo a pontapé. Alegou que "a autoridade do governador" estava sendo ameaçada. Mas que autoridade? Suruagy sofreu recente processo de impeachment, é acusado pela CPI dos precatórios de crime de responsabilidade e poderá ser indiciado por peculato, falsidade ideológica e prevaricação.
O governo federal, por sua vez, fecha os olhos para essa ferida purulenta que é Alagoas no cenário da doença crônica da nossa política. Deve ser porque federá demais arrancar de vez a capa de gaze podre.

E-mailmfelinto@uol.com.br

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