São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
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Falácia irresponsável

ALFRIED PLÖGER

Sob o argumento populista de que o tratamento diferenciado para ações ordinárias e preferenciais fere direitos individuais, algumas pessoas vêm desenvolvendo uma campanha tão impertinente no tempo e destemperada no enfoque que há de se perguntar: qual seu verdadeiro objetivo? Não nos parece outro senão o de denegrir a imagem das companhias abertas.
Numa jogada de pouca clareza, defensores dativos dos preferencialistas -que por iniciativa própria e certamente visando fazer o melhor para seus investimentos adquiriram ações preferenciais, sabidamente sem direito a voto- arvoram-se em paladinos da democracia. Nessa diligência, confundem conceitos políticos e econômicos de tal forma que a única ilação possível é a de que essa confusão se destina estrategicamente a turvar as águas de um segmento da economia absolutamente transparente. A defesa efetiva, escamoteada, seria a de mudanças nas regras do jogo (no qual entraram voluntariamente) que lhes proporcionem lucros parasitários.
Ninguém discute que o direito de voto confere maior valor às ações no momento da alienação do controle acionário de uma companhia. Distorcer, porém, os fatos, apresentando como prejuízo para os acionistas detentores de ações preferenciais uma condição por eles perfeitamente conhecida na ocasião da compra, sugere uma atitude pouco ética, para dizer o menos.
Referimo-nos especialmente à longa catilinária contra as companhias abertas de artigo publicado nesta Folha de S. Paulo, em 24/04/97, assinado por um respeitável empresário do setor comercial. Após seis parágrafos de comentários adjetivos e desprovidos de qualquer fundamento, o articulista faz duas proposições objetivas a respeito do projeto de alteração da Lei da S/A, que, após sanção presidencial, resultou na lei 9457/97.
Na primeira, sustenta que "o fim da prerrogativa de o minoritário reaver seu capital pelo valor patrimonial, nos casos de cessação do estado de liquidação, cisão ou liquidação da companhia, torna o chamado acionista minoritário refém das decisões do controlador. Ele passa a depender da criação de um 'valor econômico' difuso, que será determinado somente a partir da avaliação da empresa".
No parágrafo seguinte, o artigo acrescenta que "há ainda o aspecto negativo da extinção da oferta pública ao minoritário, na eventualidade de mudança de controle acionário, que fará com que também os minoritários das estatais percam dinheiro. A lei cassa-lhes o direito de recesso ao preço definido pelo governo nos leilões, mas conserva a prerrogativa de o governo deixar o barco a um bom preço".
Vale lembrar que essas duas questões estão intrinsecamente ligadas à facilitação do processo de privatizações. Nada têm a ver com a administração profissional das empresas ou quaisquer outras questões ligadas às relações societárias mencionadas no referido artigo. A discussão é essencialmente política, inerente à sociedade brasileira: a que interesse o processo de privatização deve atender prioritariamente? Ao Tesouro Nacional ou aos acionistas minoritários das estatais privatizadas?
Não é nosso propósito utilizar esse espaço para tomar partido nessa questão. Temos nossa posição a respeito, mas acreditamos que haja instituições habilitadas a conduzir essa decisão levando em conta a ética e os interesses nacionais. Nosso objetivo é demonstrar e denunciar a irresponsabilidade com que, a qualquer infundado pretexto, pessoas tidas como referenciais (o que torna mais grave o impropério), alegando inadequadamente defesa da democracia, investem de maneira injusta, radical e repulsiva contra as companhias abertas, a expressão mais lídima da democratização das empresas e do capital no mundo moderno.
Acreditamos, em resumo, que as relações entre os sócios minoritários e os controladores das companhias devem se pautar por regras que garantam o direito de todos e que a administração da empresa tenha como função trabalhar para maximizar os resultados que serão distribuídos exclusivamente na proporcionalidade da participação no capital, sem privilégios.
A lei, em seus aspectos normativo e fiscalizador, deve apenas garantir que esses princípios sejam respeitados. É inconcebível que pessoas proponham mudanças de normas legais que afetam o mercado de capitais e o conjunto da economia nacional pelo capricho de posições particulares. Isso sim nos parece "um casuísmo a serviço do parasitismo". Um grave desserviço ao país e ao mercado de capitais, que presentemente se apresenta como uma das faces mais simpáticas do Brasil ao grande e indispensável mercado internacional.

Alfried Plõger, 57, é presidente da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas).

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