São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Não há software perfeito", diz Bill Gates

RODOLFO LUCENA
ENVIADO ESPECIAL A BAL HARBOUR

O presidente da Microsoft, Bill Gates, passou a última semana fazendo o que tem se revelado sua especialidade: vender a executivos e líderes políticos o jeito Microsoft de ser e usar computadores e transmitir suas idéias sobre o futuro da informática.
No seu território, em Seattle (noroeste dos EUA), recebeu o vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, e mais cerca de cem dirigentes de algumas das maiores empresas do mundo.
Eles fizeram até um tour pela futurista mansão de US$ 50 milhões que Gates está construindo.
No início da semana, falou a empresários latino-americanos em Bal Harbour, ao norte de Miami.
Antes, avistou-se com o presidente da Costa Rica, José Maria Figueres, com quem conversou sobre "projetos conjuntos".
Durante o simpósio em Bal Harbour, Gates disse que a América Latina é uma das áreas de grande crescimento para a empresa.
E anunciou que a região deverá ser um dos campos de operação da WebTV, empresa que fornece acesso à Internet via TV e acaba de ser comprada pela Microsoft.
A Internet, por sinal, é considerada por Gates o evento mais importante na indústria nos últimos dois anos. "O crescimento da Internet é chave para o nosso sucesso", disse.
No centro de tudo, claro, está o PC, seus irmãos menores (micros de mão, terminais) e maiores (os servidores), todos equipados com programas da Microsoft.
PC que, dentro de 20 anos, será uma máquina ainda mais fantástica, capaz de ver o usuário (nós), entender seus desejos e sua fala, interpretar seus movimentos.
Para comprovar que investe mesmo nessa crença, Gates mostrou um vídeo em que um cientista da empresa disputa uma partida de jogo-da-velha com o computador apenas mexendo a cabeça. E vence.
Na terça-feira, o presidente da Microsoft recebeu a Folha para a seguinte entrevista, em que foram tratadas questões mais próximas dos dias de hoje.
*
Folha - O sr. apresentou um quadro de como o computador será fácil de usar, dentro de 20 anos. Mas, hoje, o que a indústria pode fazer para tornar os computadores mais fáceis de usar?
Bill Gates - As vendas de computadores crescem porque os computadores são ferramentas cada vez melhores. O computador de 1997 é bem mais fácil de usar do que o de três anos atrás, ou seis anos, ou nove anos. Há nove anos, era difícil imprimir. Era difícil fazer funcionar fontes (de letras) e gráficos. Hoje, isso é muito fácil. As pessoas estão fazendo coisas ambiciosas: publicações na Internet, mensagens eletrônicas sofisticadas... Essas coisas ficaram bem mais fáceis, e logo as pessoas vão estar procurando fazer fotos digitais e mandar filmes e vídeos. E essas coisas vão ficar mais fáceis. O que você deve perguntar é por que os PCs ficam mais populares a cada ano. É a categoria de mais rápido crescimento de vendas. É porque o produto está ficando melhor. Claro que as pessoas estão sempre querendo mais, ampliando os limites.
Folha - Os produtos estão melhores, mas ainda há problemas de compatibilidade, de dificuldade para conexão...
Gates - Certamente, os computadores estão mais compatíveis hoje do que jamais foram. Nos primeiros anos dos computadores pessoais, havia dúzias de máquinas incompatíveis.
Hoje, um impressionante número de máquinas é baseado em "Windows". Elas são, portanto, muito compatíveis. Isso é realmente uma conquista. As pessoas não precisam se preocupar sobre se seus computadores vão funcionar com outros, porque o padrão "Windows" já permite isso. Assim, elas podem escolher o melhor computador que desejarem.
Em termos de conectividade, há dois ou três anos não tínhamos o protocolo TCP-IP (NR: para comunicação na Internet), e você tinha que colocar isso, entrar com um endereço IP. Hoje, nós incluímos isso no sistema, colocamos o navegador. Não estou dizendo que as coisas não podem ser melhoradas, elas certamente podem ser melhoradas e muito, mas, hoje, quando você compra um PC e quer ter acesso à Internet, é dramaticamente mais fácil do que era há alguns anos. E vai continuar ficando mais fácil.
Folha - Atualmente, a Microsoft está desenvolvendo uma nova versão do "Windows", o "Windows 97" ou "Memphis", cujo lançamento foi adiado sem definição de data. O que provocou o adiamento, para quando o produto pode ser esperado e quais são suas novas funções? Já há definição em relação ao nome?
Gates - O que nós fazemos é pegar todas as idéias que temos e as que os usuários nos sugerem. Procuramos juntar tudo isso em atualizações gerais. Em vez de lançarmos uma atualização a cada dois ou três meses, nós procuramos garantir que iremos lançar algo realmente importante, útil.
O "Windows 95" foi lançado há cerca de um ano e meio. Então, ele vai ter um pouco mais de dois anos quando lançarmos a atualização. E isso me parece um bom período de tempo. Nós já começamos a fazer beta testes (NR: testes prévios, em que o produto não está na versão final) com essa atualização do "Windows 95", que tem o nome em código de "Memphis". Não decidimos ainda a data de lançamento, se será no final deste ano ou no início do próximo.
Folha - Para a indústria, parece certo que será no próximo ano...
Gates - Como eu disse, nós não decidimos ainda. Dependendo do que será incluído, podemos lançá-lo neste ano ou no início do próximo. Eu não acho que isso seja o principal.
O principal é que terá muitos recursos para facilitar o uso, será muito mais rápido, terá muitas coisas para enriquecer o uso da Internet -incluindo um navegador, o "Internet Explorer 4.0". Haverá muitas coisas novas na apresentação e na forma de usar, drivers (NR: adaptadores para impressoras, discos etc.) atualizados.
Nós mexemos no produto como um todo. O nome ainda não foi decidido exatamente. Ele é diferente do "Windows 95", que fez a transição de 16 bits para 32 bits e representou um trabalho realmente muito grande. Mas essa atualização era crítica, necessária, para podermos ter aplicações de 32 bits.
Agora, será bem mais simples fazer a mudança. Ela não vai exigir muito mais memória nem novos drivers, então não será tão trabalhoso mudar para esse novo release como foi no passado.
Folha - Alguns produtos da Microsoft têm apresentado problemas. Houve o caso das falhas de segurança no "Internet Explorer", há os problemas no "Outlook" e as questões de compatibilidade do "Windows 95". Com todo seu investimento em pesquisa, por que a Microsoft não consegue lançar um sistema "free of bugs", sem falhas, como perguntou recentemente um artigo publicado na Internet?
Gates - A Microsoft certamente está oferecendo os programas mais confiáveis em toda a indústria. Nós investimos mais em testes do que qualquer outra empresa. Esses produtos são muito, muito ricos. E não há software, nosso ou de qualquer outra empresa, que seja um produto perfeito. É o mesmo que perguntar: Quando teremos um carro que não quebre nunca? O nível de qualidade vem melhorando com o tempo. As expectativas dos usuários são sempre crescentes. O número de periféricos com que temos de trabalhar, o número de sistemas e, agora, conectar com todos esses diferentes sistemas de e-mail e fazer com que funcionem juntos, isso é um grande desafio. Há ainda muitas aplicações antigas que têm problemas, e nós fazemos o melhor possível para compensar esses problemas. O nível de qualidade do software para PCs vem melhorando continuamente, mas, quando alguém quer fazer uma manchete, é mais comum que diga que as falhas continuam em vez de dizer que temos cada vez menos falhas, que é o que acontece.
Folha - Em uma de suas colunas, o sr. disse que um dos seus erros foi ter demorado para entrar no mercado de e-mail. Como o sr. avalia a situação atual na Microsoft nessa área e na Internet em geral?
Gates -O "Exchange" é o nosso produto para e-mail. Saiu há pouco mais de um ano, e nós estamos vencendo a maioria das competições sobre design de produtos com esse programa. O mercado de e-mail está crescendo muito, e nós, entre todas as empresas, estamos na melhor posição no mercado de e-mail. Estamos nos dando muito bem. Nossa posição não é tão forte quanto é em processamento de texto ou planilhas eletrônicas, em que temos mais de 90% do mercado. Provavelmente vai levar ainda uns dois anos para que tenhamos em e-mail a mesma participação no mercado que temos na maioria de nossos negócios.
Folha - Na Internet, a Microsoft parece estar atirando para todos os lados: tem produtos para usuários, para desenvolvedores, fornece conteúdo e acaba de comprar a WebTV. Qual é o foco principal? Ou não há foco e tudo é importante?
Gates - Há muitas novidades acontecendo em nossa atividade na Internet.
Se você está interessado em ferramentas para autoria, nós temos; se você está interessado em navegadores, temos o "Internet Explorer"; se o interesse é em servidores, temos o "Internet Information Server", que está incluído no "Windows NT Server".
A Internet é uma oportunidade tão grande para a Microsoft que estamos colocando recursos para a Internet em todos os produtos Microsoft. A grande coisa do "Office 97" é a maneira como ele permite que você crie e navegue em documentos da Internet.
Não há como termos uma estratégia simplista aqui. É uma estratégia ampla, combinando tudo o que acontece na Internet. Nós acreditamos na Internet com fervor, pensamos que a Internet vai continuar crescendo, e que quase todos vão estar conectados na próxima década, ou em função de negócios, de estudos ou mesmo de entretenimento. Porque acreditamos nisso, estamos fazendo um grande número de coisas. No ano passado, colocamos todo o nosso pessoal focalizado na Internet. Neste, estamos trabalhando muito no que chamamos de facilitação de administração e escalabilidade (NR: fazer com que produtos possam ser usados em diferentes níveis, desde o usuário individual até o corporativo).
Folha - Com essa estratégia ampla, a Microsoft poderá entrar também em telecomunicações?
Gates -Não, nós somos parceiros de empresas de telecomunicações. Nós somos uma empresa de software. Não de chips, de computadores ou de sistemas. Nós vendemos produtos de software de grande volume e fazemos as parcerias para ajudar as pessoas a aproveitar bem esses produtos. Nós temos um foco claro.
Folha - A Internet parece ser a única área em que a Microsoft tem competidores mais fortes e agressivos. O anúncio do terminal Windows, por exemplo, é uma resposta da Microsoft ao projeto do NC, o computador de rede defendido pela Oracle e pela Sun?
Gates - A família Windows engloba uma grande gama de produtos, desde um computador de mão, com o "Windows CE", até um grande conjunto de servidores trabalhando com aplicações complexas. Nós ficamos sempre refinando o hardware (NR: os equipamentos) para diminuir os custos de administração. Nós fazemos isso com nossos parceiros fabricantes de equipamentos, como Compaq e Intel. E o NetPC é um resultado disso. É só um PC que vai economizar dinheiro para os usuários, é dirigido para algumas necessidades específicas. O terminal Windows é para usuários com aplicações simples, mas é o verdadeiro "cliente magro", porque você não tem sequer um navegador nele, que é um software que está ficando cada vez maior e, portanto, não é "magro". A Sun e a Oracle sempre odiaram os PCs. No passado, muita gente odiava os PCs. E agora só há essas duas companhias. A Sun tem que odiar os PCs porque você não pode cobrar preços muito altos pelo hardware no mundo PC. E esse tem sido o negócio da Sun: cobrar preços muito altos por estações de trabalho e servidores.
Folha - Quais são seus planos para o futuro, já tendo chegado à posição de homem mais rico do mundo, dirigindo uma empresa líder na sua área. O sr. pretende parar e ficar jogando golfe? O que o sr. faz no seu tempo livre?
Gates - Eu amo meu trabalho. Acho que é um trabalho muito divertido, eu trabalho bastante. Sempre tenho chances de aprender coisas novas. Quando eu vejo como os computadores estão dando mais poder às pessoas, quando eu vejo os nossos novos produtos que estão saindo... Pense nos novos problemas, fazer computadores que possam falar, ouvir, entender a fala, isso é muito interessante. Eu me vejo trabalhando muito por muitos anos ainda, mais de uma década.
Eu tiro folgas de vez em quando. Eu tenho uma filha de um ano, passei uma semana na Amazônia (NR.: há cerca de um mês).
Foi minha primeira visita, eu li muito antes... Nós pudemos nadar, passear, ter tempo para relaxar. Vimos muitos macacos, pássaros, os botos cor-de-rosa...
Folha - Agora que sua filha já tem um ano, o sr. tem planos para ampliar a família?
Gates -Provavelmente terei mais filhos, vamos ver.

Texto Anterior: Crie caderno de endereços
Próximo Texto: Gates abandonou a escola
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.