São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo equipado luta contra táticas sofisticadas

RICARDO BONALUME NETO
DO ENVIADO ESPECIAL

A dificílima posição militar de Mobutu pode ser compreendida em um fato: o mais importante grupo de mercenários sul-africano se recusou a apoiá-lo, achando que não haveria como ganhar a guerra contra os rebeldes de Kabila.
O Executive Outcomes é um grupo mercenário formado por militares da África do Sul, em sua maioria brancos, que deixaram o serviço militar após Nelson Mandela assumiu o poder, em 94. Ironicamente, sua ação mais famosa foi contra antigo aliado sul-africano, a guerrilha angolana Unita.
O pessoal da Executive Outcomes foi contratado pelo governo angolano (ex-marxista) e foi responsável por uma série de vitórias na guerra civil contra a Unita que desequilibraram o balanço de forças no país.
Veteranos ferozes de guerras africanas, eles se recusaram a auxiliar Mobutu -que certamente poderia pagá-los a preço de ouro, ou, melhor ainda, dos diamantes abundantes no solo zairense.
Mobutu tentou com o convite aos sul-africanos remediar falhas graves de seu próprio Exército, mas que são principalmente de sua própria criação.
Evitar concorrência Como todo "presidente forte", como costumam classificá-lo os almanaques, ele evitou dar poder excessivo às Forças Armadas para evitar concorrentes. Agora, ele paga o preço de tê-las enfraquecido.
No papel, o Exército do Zaire tem equipamento suficiente para causar problemas aos rebeldes, se bem utilizado. Mas tudo indica que boa parte está inoperante.
Teoria e prática
No papel, são 32 mil soldados e mais 22 mil forças paramilitares, como a polícia militarizada. Na prática, boa parte desse efetivo já desertou, ou pretende fazê-lo na melhor oportunidade. Um soldado comum, não pertencente à guarda presidencial, ganha cerca de US$ 1 por mês.
Também no papel, o Zaire teria 48 tanques leves chineses Tipo 62, 16 tanques mais pesados Tipo 59, e mais de cem carros blindados de fabricação francesa. Podem estar sendo guardados para o combate final ou mesmo já estão no fronte, mas nenhum deles têm passeado pelas ruas da capital do país.
Na floresta tropical zairense, parecida com a amazônica, têm valor limitado. Numa luta urbana, são vulneráveis, mas, se bem empregados, podem ser valiosíssimos.
Mobutu também teria à disposição mais artilharia. Mas ela seria de pouco valor no combate urbano contra tropas guerrilheiras. Poderia, porém, causar grandes estragos a edificações e às pessoas dentro delas.
Saques
Segundo os especialistas, a Força Aérea do Zaire praticamente só existe no chão -isso apesar de, nominalmente, incluir meia dúzia de caças franceses Mirage 5 e oito aviões de ataque leve MB-326 (o mesmo modelo foi produzido no Brasil como Xavante).
Soldados guardando prédios públicos rotineiramente pedem dinheiro aos visitantes. O fuzil automático russo AK-47 pendurado displicentemente no ombro, é um excelente argumento para demover os mais pão-duros.
Alguns desses soldados dizem mesmo, em conversas reservadas, que pretendem saquear a cidade se a oportunidade surgir.
Já todos os que tiveram contato com as forças de Kabila dizem que elas são mais disciplinadas e incluem também "mercenários" estrangeiros. A palavra "estrangeiro" deve ser entendida em seu conceito africano, porém.
Um soldado de Kabila pode ser ugandense, ruandês ou angolano, mas pertencer a uma mesma etnia e falar a mesma língua.
O idioma lingala é falado pela maioria dos habitantes de Kinshasa e do oeste do país, ao longo do rio Congo. É a língua franca ao longo do rio e a principal do Exército de Mobutu e também da televisão do país.
Outra metade do Zaire, notadamente a leste, fala suaíle, a mesma língua comum em Uganda, Tanzânia e Quênia. Na região do baixo Zaire se fala kicongo, assim como no norte de Angola.
A força guerrilheira parece utilizar táticas razoavelmente sofisticadas, que Kabila teria aprendido nos anos 60 (mesma época em que Che Guevara andava pelo Congo).
Essas táticas envolveriam o uso inteligente de pequenos ataques para atrair o inimigo. Uma vez a isca mordida, o grosso da força guerrilheira atacaria pelos flancos, visando cercar o inimigo exposto.
É algo parecido com o que os índios fazem nos bangue-bangues. O ousado e pouco sensato comandante da cavalaria americana persegue um pequeno grupo de índios até cair na emboscada. É algo tão antigo quanto a guerra.
Um líder guerrilheiro experiente, que provavelmente conta com tropas veteranas, pode certamente tentar fazer o mesmo e obter sucesso com o desmoralizado Exército do presidente Mobutu.
(RBN)

Texto Anterior: Entenda o conflito
Próximo Texto: Mobutu tem bens no Brasil, diz jornal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.