São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Independência para o BC?

CELSO PINTO

A independência do Banco Central, prevista no projeto de lei complementar posto em debate esta semana, na Câmara, terá forte impacto num eventual segundo mandato do presidente Fernando Henrique, se a idéia sobreviver às votações na Câmara e Senado, previstas ainda para este ano.
Apesar de algumas limitações, que serão comentadas adiante, o modelo para o BC segue no essencial a força do modelo do Bundesbank alemão (imitado em vários países desenvolvidos). O BC terá como "objetivo principal a defesa e o fortalecimento da moeda nacional". Em português: será responsável por manter a inflação baixa e deverá usar seus poderes para isso.
Não serão poucos. O BC fixará a política monetária e cambial, ou seja, definirá os juros e a taxa de câmbio. Portanto, no entender do relator do projeto, deputado Saulo Queiroz (PFL-MS), será responsável pela definição das metas inflacionárias.
Como os diretores do BC terão mandatos garantidos de quatro anos, vencendo em anos sucessivos, não terão muito a temer. Para o presidente demiti-los será preciso a concordância formal do Senado. Um deputado, na Câmara, poderá tentar demiti-los, se houver "graves discrepâncias entre as metas propostas e os resultados alcançados". Precisará, no entanto, reunir um terço dos parlamentares para a proposta, aprová-la na Comissão de Finanças e em plenário. Como quem fixa as metas é o próprio BC, vai ser difícil propor a demissão, por exemplo, por excesso de austeridade.
Suponha um cenário concreto. Se o novo BC já estivesse a postos no próximo ano e sua direção detectasse o risco de um ataque especulativo nos mercados, teoricamente sua diretoria poderia seguir seu instinto conservador e jogar os juros na Lua, ou desvalorizar o câmbio, mandando às favas a eleição presidencial.
Existem duas limitações a esse poder do BC. Uma é a definição que o BC terá como um de seus objetivos "a consecução dos demais objetivos da política econômica do governo". Existem ressalvas desse tipo em vários bancos centrais independentes, mas, no caso brasileiro, ela é tão ampla que pode abrir uma brecha generosa para o Executivo.
A outra é que o ministro da Fazenda, que participará de todas reuniões importantes do BC (como acontece no caso do Bundesbank), poderá discordar de uma decisão. Nesse caso, ela seria suspensa por dez dias, voltaria à reunião de diretoria do BC e teria que ser aprovada por dois terços.
O ministro da Fazenda poderia, ainda, levar essa decisão para aprovação no fórum mais amplo do Conselho Financeiro Nacional (onde estarão o ministro do Planejamento, os presidentes do BC, da Comissão de Valores Mobiliários, das Superintendências de Seguros Privados e Previdência Privada e três membros independentes, com mandato de quatro anos). Todos eles terão as mesmas garantias de emprego do BC e a mesma obrigação de não trabalhar no mercado financeiro até seis meses depois de sair.
Essa é a única hipótese em que o CFN, que será um órgão normativo do mercado, teria poder para decidir política econômica. Suponha, no entanto, um impasse entre Fazenda e BC sobre a necessidade de elevar os juros. Suspender o assunto por dez dias ou levá-lo ao CFN teria efeitos explosivos no mercado se houvesse o menor vazamento -o que, convenhamos, é provável, embora a lei preveja punições para vazamentos.
É claro que a independência real do BC dependerá de muito mais do que uma regra. Além disso, um eventual segundo governo FHC seria beneficiado porque ele poderia indicar toda a diretoria do BC. Só seu sucessor herdaria diretores com mandato a vencer.
Vale dizer, também, que independência do BC não é panacéia. Ela cria, contudo, sérias restrições à interferência política na condução da política antiinflacionária e isso tende a ser premiado pelos mercados com mais confiança e menores juros.
O projeto de lei vai muito além da independência do BC. Inova em inúmeras áreas, da normatização ao sigilo bancário, da intervenção à punição. E cria uma barbaridade na regulamentação do limite de 12% para os juros. Volto ao assunto na próxima coluna.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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