São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Daley quer Alca como acordo do século 21

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

O secretário norte-americano do Comércio, William Daley, disse ontem que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) "deve ser um acordo comercial para o século 21, não meramente o último do século 20". Ou seja, deve incorporar "a próxima geração de questões comerciais".
A frase fez parte da intervenção de Daley em seminário realizado ontem pela manhã em Belo Horizonte e compõe o retrato acabado da divergência de agendas entre Brasil e Estados Unidos, conforme a Folha mostrou ontem.
Antes de Daley, o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia havia dito que "não há razão para reinventar a roda", pois a OMC (Organização Mundial do Comércio) contém todos os instrumentos para negociar a Alca.
A OMC não contém ou contém apenas limitadamente a "próxima geração de questões comerciais".
São, na essência, serviços em geral, incluindo os financeiros, propriedade intelectual, investimentos e compras governamentais.
Para o governo brasileiro, é importante, antes de entrar na "próxima geração", resolver as questões pendentes da geração anterior, que Lampreia também explicitou: agricultura, têxteis, barreiras não-tarifárias.
"Não se trata de uma disputa de vaidades, mas de um conflito de interesses legítimos", deixou claro o chanceler brasileiro.
Conflito tão nítido que, terminado o discurso, Daley passou a Lampreia um papelzinho em que escrevera: "Sorry for the speech" ("desculpe pelo discurso").
Os interesses O jogo de interesses entre Brasil/Mercosul e EUA é assim, em cinco áreas:
Serviços - Trata-se de ampliar a presença comercial de empresas estrangeiras em setores como bancos, seguros em geral etc.
Os EUA são o país mais competitivo nessas áreas todas e gostaria de abocanhar uma fatia maior do mercado latino-americano.
O Brasil não está preparado para abrir mais seu mercado.
Investimentos - Dos países americanos, só os EUA (e o Canadá, em menor medida) têm dinheiro para investir no exterior. Por isso, querem regras que tratem o capital externo rigorosamente como se fosse capital nacional.
Se for assim, os demais países ficariam impedidos, por exemplo, de limitar a remessa de lucros para as matrizes ou de reservar certas áreas para capitais nacionais etc.
Os EUA querem negociar um acordo de investimentos no âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Como são apenas 27 países, mais ricos e homogêneos, daí sairia um acordo mais liberal.
O Brasil prefere a OMC como foro para tal acordo. Com mais países e mais heterogêneos, o acordo seria em tese mais favorável aos países em desenvolvimento.
Compras governamentais - Trata-se de permitir o acesso às concorrências públicas para aquisição de bens e serviços (construção de estradas, por exemplo).
Já há um código a respeito, na OMC, mas assinado por apenas sete países e um bloco (a União Européia, composta por 15 países).
Um acordo mundial teria, entre outros objetivos, o de "enfrentar o corrosivo problema de suborno e corrupção", acham os EUA.
O governo brasileiro está apenas "acompanhando de perto" as discussões a respeito.
Propriedade intelectual - O governo norte-americano cobra mais respeito, por exemplo, aos direitos de "copyright" de softwares (programas de computadores).
Na América Latina, 68% dos programas são "pirateados", diz pesquisa da Price Waterhouse. Os principais prejudicados são os norte-americanos, já que a produção latino-americana cobre apenas de 6% a 8% do mercado.
Agenda tradicional - São conhecidas as queixas brasileiras sobre as barreiras que os EUA impõem à entrada de produtos como suco de laranja, frango, siderúrgicos etc. O país perde, com isso, cerca de US$ 2 bilhões/ano em exportações que deixa de realizar.
Até ontem, os delegados norte-americanos não haviam dado sinal algum de que se dispõem a rever tais barreiras.

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