São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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O absurdo dos juros

CELSO PINTO

O limite de 12% para os juros, inscrito na Constituição de 88 como uma tentativa ingênua de garantir dinheiro barato para todo mundo, pode acabar funcionando como um freio à queda de juros.
É o que poderá acontecer se for aprovado como está o projeto de lei complementar que regulamenta o famoso artigo 192 da Constituição, e que começou a ser debatido na Câmara nesta semana. O próprio relator do projeto, deputado Saulo Queiroz (PFL-MS), admite este efeito negativo e torce abertamente para que o Congresso tire os 12% da Constituição.
Não havia como fugir ao problema. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal determina que o artigo 192 tem que ser regulamentado no todo, incluindo os 12%. Se a lei não fizer isso, será considerada inconstitucional.
Queiroz tentou minimizar o problema, criando uma "taxa básica de captação", que seria publicada a cada trimestre pelo Banco Central. Os 12% só seriam contados acima desta taxa básica, nos custos dos empréstimos, inclusive prefixados.
Com isso, em vez de taxar o valor nominal do dinheiro em 12%, ele fixou um teto para a margem de lucro ("spread"), que é a diferença entre custo de captação e aplicação, em 12%. Um "spread" de 12% é altíssimo em qualquer lugar do mundo. Portanto, parece ser uma solução esperta e inócua para um problema complicado.
Não é. Ao definir uma "taxa básica de captação", o BC vai estar fixando um piso, já que qualquer aplicador a usará como referência. Como o custo de captação varia muito, e é tão mais alto quanto mais frágil ou ineficiente for a instituição, qual o critério a usar?
Se a taxa for muito baixa, o BC poderá inviabilizar algumas instituições. Se for muito alta, empurrará bancos a operar acima do que precisariam. Quem capta depósitos à vista, a custo zero, tem um custo de captação menor do que bancos de investimento que captam, por exemplo, emitindo CDBs.
Queiroz sugere que o BC poderá usar a fixação do nível da taxa como instrumento de política monetária, mas os riscos de distorções, ele admite, são enormes. O único ponto positivo é que isso talvez anime o Congresso a tirar os 12% da Constituição.
O projeto inclui muitos pontos importantes e inovadores, além da independência do BC, comentada em coluna anterior. Lembro alguns deles:
* Ao criar o Conselho Financeiro Nacional, reunindo ministros e órgãos reguladores, o projeto aprimora o poder de normatização e supervisão. O BC continua com funções supervisoras, mas ela será mais integrada com outros órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Susep (seguros), e Suprev (previdência). Algumas instituições, por exemplo, passarão a estar sujeitas à fiscalização tanto do BC quanto da CVM.
* Cria a figura da liquidação judicial de instituições financeiras. Se uma instituição estiver com o capital social e patrimônio líquido equivalente a 60% do mínimo estabelecido, o BC é obrigado a intervir; se estiver em 20% é obrigado a liquidar. Hoje, o BC pode adiar uma decisão deste tipo.
* Governadores e secretários da Fazenda são responsabilizáveis pela gestão de bancos estaduais, com seus bens e legalmente.
* Pela primeira vez fica definido em lei que nenhuma estatal poderá criar, daqui para frente, entidades de previdência com benefício definido.
* A Receita Federal poderá ter acesso a dados hoje sujeitos a sigilo bancário, mas só através de convênios firmados com órgãos fiscalizadores (BC, CVM, etc.), com termos aprovados pelo CFN.
* Divulgação de dados sigilosos (inclusive pela mídia, segundo Queiroz), fica sujeita a penas de até 6 anos de detenção e multa. Uso de informação privilegiada a até 8 anos de prisão.
* Regulamenta entidades de previdência fechadas. Funcionários poderão transferir a parte que lhes cabe das reservas matemáticas ao mudar de emprego. Empresas de previdência não poderão se apropriar de ganhos de capital na aplicação das reservas matemáticas. Cria-se a Suprev.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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