São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Paulo Freire

Os gigantes do espírito morrem, mas não desaparecem jamais.

FEDERICO MAYOR

Morreu Paulo Freire. Imperceptivelmente, o ar de todas as salas de aula do mundo se tornou rarefeito. Sem sabê-lo, talvez, os professores de todos os continentes sentiram, por um instante, que a tristeza os embargava. E, em seguida, se transformava em convicção e força renovadas.
Pedagogia da autonomia, do oprimido, da esperança. Sabia, como Bolivar, que a educação é a base da liberdade. Paulo Freire, pedagogo da libertação, preso e exilado pelos que temem os homens e mulheres donos de seu destino.
Paulo Freire, urgido pelas transformações, porque sabia recordar, a cada instante, que, como escreveu Salvador Ortíz-Carboneres, "a noite é longa para os que esperam a luz".
Tecnologia, sim, mas ternura sobretudo. Sobretudo, sorrisos e afeto para evitar o ambiente frio e despojado das máquinas. Forjar atitudes, contribuir para que cada um seja soberano de si mesmo. Soberano-crítico, guiado por estrelas altas, que não podem ser compradas nem vendidas.
Há alguns meses, escrevi em sua autobiografia: "Paulo Freire é, com sua longa e brilhante trajetória na arte de educar, uma figura legendária. Não há outra pedagogia que a pedagogia do amor e da inquietação. A pedagogia de situar todos, homens e mulheres, na cornija do exercício de sua responsabilidade, de sua decisão sem ingerências externas, no fio exato das luzes e sombras, entre a bruma e o resplendor, ali onde a liberdade é essência, cume e razão de cada vida".
Um dia, num pequeno povoado do sul do Sudão, em abril de 1995, dediquei a meu amigo Paulo, mestre de mestre, este poema: "Já para sempre/ de mangueiras,/ baobás e acácia/ rodeado,/ não pensarei/ mais que em teus olhos/ de gazela ferida,/ filha da solidão/ e da distância./ Vou-me embora/ de barro e palha/ revestido,/ porque tua cabana/ ocupa/ desde agora/ todos os espaços/ de minha casa./ Nossas casas cheias/ e a tua desprovida./ Deverei/ não esquecer/ que todo o resto/ não importa. Lembrar/ tua cabana vazia/ cheia de amor/ e de sorrisos!"
Os gigantes do espírito morrem, mas não desaparecem jamais. Tornam-se invisíveis. Isso é tudo. Porque praticaram a mais importante de todas as lições: a do exemplo.

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