São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Entenda o mercado do voto

Leia os principais trechos das gravações obtidas com exclusividade pela Folha

- O voto por 200 mil
O deputado Ronivon Santiago (AC) relata ao "Senhor X" que vendeu seu voto por R$ 200 mil. Ronivon afirma que mais quatro deputados acreanos -João Maia, Zila Bezerra e Osmir Lima, todos então do PFL, e Chicão Brígido, do PMDB, hoje licenciado- também venderam os votos. Os cinco votaram a favor da reeleição. Os compradores foram os governadores Orleir Cameli (sem-partido-AC) e Amazonino Mendes (PFL-AM). Ronivon diz nas gravações que recebeu R$ 100 mil em dinheiro, no dia da votação em primeiro turno na Câmara (28 de janeiro), e o restante por meio da empreiteira CM, que tem contratos com o governo do Acre
*
Senhor X - Ele (Orleir Cameli) não pagou nada daqueles do Orçamento de 94, de 95?
Ronivon Santiago - Não. Ele me deu R$ 100 mil... R$ 100 mil agora para a votação. Deu em cheque e em dinheiro. Me deu um cheque. Aí, depois, me deu dinheiro. Eu devolvi o cheque. Me deu R$ 100 mil, em dinheiro.
Senhor X - Para a votação?
Ronivon - É. Mas, dentro daquele negócio. Aí, eu fui e acertei com ele. Eu digo, olha, faz o seguinte: aí tem uma nota para mim, quando eu receber de 400 e poucos mil de um (trabalho) que a firma fez, que é para poder me reter o meu dinheiro. Mas está lá para pagar e até hoje não pagou esse dinheiro. E esse dinheiro que dá para pagar todos esses pagamentos. Estou aguardando.
Senhor X - Mas, me diga uma coisa. Ele não deu 200 mil para cada um?
Ronivon - Mas eu peguei só 100.
Senhor X - E quem foi que pegou?
Ronivon - Não, todo mundo pegou 200.
Senhor X - Todo mundo pegou 200... pela votação?
Ronivon - E eu peguei 100. Mas eu tinha um assunto meu. Que ele ia me pagar isso aqui. Aí ficou pra CM. Aí, eu, né...? Ficou pra CM, porque a empresa que está lá, pra faturar essa nota, que é para poder me pagar tudo. Aí, ficou dentro os meus outros 100. Tô pra receber, ele vai me pagar...
Senhor X - Orleir chegou a dizer a algumas pessoas lá no Acre que os votos tinham sido pagos...
Ronivon - 200 paus.
Senhor X - 200 paus para cada um?
Ronivon - É.
Senhor X - E você, tirou 200?
Ronivon - Só um. Mas eu tenho... vou receber. Está negociado.
Senhor X - O João Maia também recebeu os 200?
Ronivon - Recebeu.
Senhor X - Os 200?
Ronivon - Todo mundo... Osmir, Zila...
(...)

O CHEQUE RASGADO 1
O deputado explica que a primeira tentativa do governador Orleir Cameli teria sido pagar em cheque, depois trocado por dinheiro
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Senhor X - E aquele cheque? Foi pago?
Ronivon - Foi. Só que veio em dinheiro.
Senhor X - O cheque não foi descontado, não?
Ronivon - Não. Rasgou.
Senhor X - Você rasgou?
Ronivon - Rasguei. Não só o meu, como o do Osmir, da Zila, de todo mundo.
Senhor X - E por que que ele desconfiou daquele cheque que eles deram...?
Ronivon - Não, porque ali foi uma jogada. O Amazonino: "Você é tão infantil, rapaz? Vai dar esse cheque para esse pessoal? Pega um dinheiro e leva". Aí, ele pegou todo mundo e deu a todo mundo em dinheiro.
Senhor X - Mas esse cheque não foi dado na véspera da votação?
Ronivon - Mas no outro dia ele deu em dinheiro.
Senhor X - Deu em dinheiro?
Ronivon - De manhã, antes da votação aqui à tarde.
Senhor X - Arrumaram esse dinheiro como, hein?
Ronivon - Sei não. Aí você me enrolou (risos).

OS INTERLOCUTORES
Ronivon explica quem tratou diretamente da negociação
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Senhor X - Esse foi um assunto (reeleição) que foi tratado direto com o Orleir?
Ronivon - O caso é o seguinte. Deixa eu te contar. Houve um rolo do caralho. O Amazonino tinha uma jogada aí, pro lado do governo. Finalmente, apareceu o Amazonino. Você está me entendendo? Amazonino, você sabe que é assim, né? Eu, muito vivo, eu fui na hora da reunião -estava o Osmir, estava a Zila, estava todo mundo- eu disse, olha: Amazonino, eu não sabia que era com você a reunião, pra mim era com o pessoal do governo. Mas, já que é você que vai acertar, eu não tenho acerto nenhum com você. Eu tenho com o Orleir Cameli, porque sou fiel a ele até o final.

O DINHEIRO DE AMAZONINO
Segundo Ronivon, o dinheiro da compra de seu voto teria sido providenciado pelo governador Amazonino Mendes
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Ronivon - Mas aí, deixa eu te contar. Quem deu o dinheiro para ele (Orleir Cameli) lá foi o Amazonino. Ele não trouxe nem dinheiro. O problema é o seguinte: o Amazonino marcou dinheiro para dar 200 para mim, 200 pro João Maia, 200 pra Zila e 200 pro Osmir. Você está me entendendo? Então ele foi e passou pro Almir, tsk, pro Orleir. Só que ele foi... Mas no dia anterior ele parece que precisou dar 100, parece que foi pro Chicão, e só deu 100 pra mim.
Senhor X - Ah, Chicão também pegou?
Ronivon - Peeegouuu!

O CHEQUE RASGADO 2
O deputado explica por que os cheques de R$ 200 mil foram devolvidos rasgados em troca de dinheiro vivo
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Senhor X - Mas naquela altura vocês já estavam com o cheque... E o cheque era de quem?
Ronivon - Do Eládio (Cameli, irmão de Orleir). Da firma do Eládio lá no Banco do Amazonas.
Senhor X - Mas quer dizer que o cheque foi cancelado?
Ronivon - Rasgou.
Senhor X - Rasgaram?
Ronivon - Na hora.
(..)
Senhor X - Quer dizer que o Orleir quando veio naquele dia, ele não trouxe o dinheiro?
Ronivon - Ele não tinha, não. Zerado. Não. Ele ligou e mandou chamar o Eládio: "Você vem aqui que eu quero acertar uns negócios aqui (...). Você sabe que eu não posso tirar dinheiro. Não posso fazer isso. Você sabe que lá no Acre é difícil. Vou mandar meu irmão, é pessoal. Vocês vão depositar os cheques de 200 paus e vão retirar. Ou, então, vou mandar o Eládio trocar no dia tal".
Senhor X - E o Eládio veio com o cheque?
Ronivon - Veio. Aí o Eládio veio com o cheque e voltou.
Senhor X - O Eládio veio de Manaus para cá só para entregar o cheque?
Ronivon - Foi.
Senhor X - Aí, saiu cada um com seu cheque na mão?
Ronivon - Cada um com seu cheque na mão.
Senhor X - Aí, quando foi à noite, disseram: "O cheque não presta"?
Ronivon - É... Aí, de manhã cedo ele ligou pra todo mundo e mandou ir lá. Eu fui o único que não cheguei. E ele já tinha conversado com Chicão às 7h30. Mas aí chegou o Osmir, tava lá com a sacola assim... (risos) João Maia com a outra. Aí o Orleir: "Êpa, melhorou esse negócio!" Aí, ele me chamou lá dentro. "Não, não. Tu leva só esses 100 aqui porque depois eu te dou os 100 dentro daquele acerto que tu tem. Aí eu pago tudo dentro daquele pra você tem por lá. Aí, tô aí. O meu foi assim.

AS DÍVIDAS
Ronivon relata que liquidou dívidas no valor total de R$ 196 mil
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Senhor X - Mas você pagou, você pagou, o Banco do Brasil...
Ronivon - Numa porrada só.
Senhor X - Logo? Na mesma hora?
Ronivon - Não... Na semana passada... Na semana passada (risos). Sou leso? Não, isso foi tudo na semana passada... Deixei assentar a poeira. Fui lá e negociei. Paguei 196 paus.
Senhor X - 196?
Ronivon - Pau! Os meus cheques sem-fundos tudinho. Eu tive que arrecadar esses cheques tudinho. Paguei, só de cheques aí deu 46 mil de cheques. Em Rio Branco tinha seis.
Senhor X - A reeleição lhe salvou, né?
Ronivon - Oô!
Senhor X - A reeleição.
Ronivon - Eu me protejo, rapaz...

- Os negociadores do governo
Em conversa com o mesmo "Senhor X", o deputado João Maia (AC) envolve o ministro Sérgio Motta na compra de votos. O ministro é citado na fita como "Serjão". Segundo ele, a abordagem de parlamentares começava por intemédio do deputado Pauderney Avelino (PFL-AM). Se havia interesse por parte do parlamentar em negociar seu voto, o passo seguinte era um contato com o então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA). Em seguida, Luís Eduardo agendava um encontro do deputado interessado com Sérgio Motta. Então, o parlamentar era encaminhado para o governador Amazonino Mendes, do Amazonas, que coordenava os votos dos deputados da região Norte.
*
Senhor X - O Orleir se sentiu ferido com o Amazonino estar em Brasília coordenando o voto de vocês?
Maia - É. E coincidiu que exatamente ele estava... Tinha saído lá e estava lá no... conversando com o Amazonino. E já tinha sido o Sérgio Motta -isso aí aqui na Presidência, né? Luís Eduardo vai falar com o Sérgio Motta, Sérgio Motta fala com o Amazonino, só que seria um troço..., quer dizer, não teria nada a ver com Orleir pagar os atrasados dele. O filho da puta! Quer dizer, né? Também o Amazonino acabou entregando e participando, eu sei, ele, o Pauderney, que é outro sacana, aí. Esse dinheiro era para o Orleir ter que pagar as dívidas dele atrasadas, você entendeu? Mais esse, Serjão e Amazonino. Mas, o problema é o seguinte: naquela época, bicho, e