São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Saiba como foi feita a compra

Segundo as conversas de João Maia e Ronivon Santiago com o "Senhor X"

1 - A abordagem
O deputado Pauderney Avelino (PFL-AM) sondava a posição de deputados em relação à emenda que permite a reeleição de presidente da República, governadores de Estado e prefeitos. O deputado que se mostrava disposto a negociar seu voto era encaminhado ao então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães

João Maia
Expulso do PFL
É na conversa entre o "Senhor X" e o deputado João Maia que aparecem os nomes de Sérgio Motta e de Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), presidente da Câmara. João Maia passou pelo PT, PMDB, PP, PSDB e foi expulso na quarta-feira do PFL.
Em 1990, pelo PMDB, foi eleito deputado com 3.855 votos. Filiou-se em 92 ao PP, pelo qual foi reeleito com 7.583 votos em 94
O que ele diz
O deputado nega ter recebido dinheiro para votar a favor da emenda da reeleição. "Isso (sobre o esquema) pode até ter sido dito, por mim ou por outras pessoas. Mas, na realidade, não se concretizou nada", afirmou Maia. "Poderia até ter comentado alguma coisa, como muito se comentou. Mas não recebi nenhum dinheiro concreto nem do governador nem da área federal"

Ronivon
Expulso do PFL
Diz ter recebido R$ 200 mil -R$ 100 mil em dinheiro no dia do primeiro turno e R$ 100 mil da empreiteira CM. José Edmar Santiago de Melo começou no PDS, em 1982. Disputou uma vaga na Câmara, mas perdeu a eleição -os eleitores "votaram" no apelido. Incorporou o Ronivon ao nome e foi eleito deputado em 90 (pelo PMDB) e 94 (pelo PPR, hoje PPB). Filiou-se ao PFL após a votação da emenda
O que ele diz
Disse à comissão de sindicância da Câmara que estava brincando quando afirmou ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição. Afirmou que costuma brincar com os colegas. Confirmou que falou ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da reeleição, mas por piada: "Falei isso e muito mais". Em entrevista, afirmou que as gravações seriam uma "armação" para prejudicá-lo

Chicão Brígido
PMDB-AM
Segundo Ronivon, Chicão Brígido também recebeu R$ 200 mil para votar a favor da emenda. Francisco Brígido da Costa é o único dos deputados envolvidos que ainda continua no PMDB, ao qual se filiou em 1991. Eleito vereador em Rio Branco em 92, conseguiu uma vaga na Câmara em 94 com 11.636 votos -o mais votado do Estado. Foi tesoureiro do Sindicato das Farmácias de Rio Branco. Na época da votação, Brígido explicou por que tinha mudado de posição: "Votei para ser bondoso com meu Estado"
O que ele diz
O deputado federal licenciado negou que tenha recebido dinheiro para votar a favor da emenda da reeleição, mas admitiu ter sido sondado com esse objetivo. "É difícil você saber (o que estaria sendo oferecido). Respondi que não discutiria política nesse nível"

Zila Bezerra
PFL-AC
A parlamentar é citada na conversa entre o "Senhor X" e Ronivon. Segundo o deputado, cinco parlamentares do Acre receberam R$ 200 mil para votar a favor da reeleição, entre eles, Zila. Ela começou sua carreira política no MDB, em 1973, em Cruzeiro do Sul (AC). Em 87, no governo Flaviano Melo (PMDB), assumiu a Secretaria de Estado para Assuntos de Governo. Em 1990, candidatou-se a uma vaga na Câmara. Reelegeu-se em 94 com 7.422 votos. Nesta legislatura, se filiou ao PFL
O que ela diz
A deputada se disse "surpresa" com as acusações. "Não tenho nada a ver com a questão. Eu não recebi nada. Se vocês (a imprensa) estão querendo escândalo, acho que vão ter de procurar em outro lugar", afirmou. Segundo ela, Ronivon "é uma pessoa extremamente brincalhona e inconsequente às vezes"

Osmir Lima
PFL-AC
Assim como Bezerra, Osmir é citado nas conversas entre Ronivon e o "Senhor X" como um dos parlamentares que recebeu R$ 200 mil. Como Ronivon e Zila, Osmir Lima tem base política em Cruzeiro do Sul (AC), onde nasceu em 1945. Técnico em contabilidade, Lima tornou-se presidente do Banco do Estado do Acre no governo do peemedebista Nabor Júnior (1983-1987). Em 1994, pelo PMDB, obteve 4.585 votos e a primeira suplência do partido. Depois de assumir uma cadeira, transferiu-se para o PFL
O que ele diz
Disse que abre mão de seu sigilo bancário. "Quero que o Congresso prove a leviandade das acusações." Afirmou que seu relacionamento com o governador do Acre, Orleir Cameli, é político. "Somos da mesma cidade. Sob hipótese alguma o apoio a ele estaria condicionado à obtenção de vantagem financeira"

2 - Audiências
O presidente da Câmara recebia o deputado e marcava para ele uma audiência com o ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Não há, nas fitas, trecho que indique que Luís Eduardo soubesse do pagamento aos deputados. Motta encaminhava o deputado ao governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL)

Sérgio Motta
PSDB-SP
O ministro das Comunicações Sérgio Motta, "Serjão", coordenou a campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso e é um de seus mais próximos assessores. Motta assumiu a articulação política do governo, principalmente quando o assunto era reeleição. A conversa entre João Maia e o "Senhor X" liga o nome do ministro à compra de votos. "Enrolou nós mesmos porque aquele dinheiro era o dinheiro do Amazonino. Que o Amazonino mandou trazer, por ordem do... do... menino aqui, do Serjão
O que o governo diz
- Sérgio Motta
O ministro afirmou, em declaração oficial na quarta-feira, que as transcrições das fitas obtidas pela Folha não permitem a associação de seu nome a um esquema de compra de votos. Para Motta, a manchete do jornal de 14 de maio, "Nova fita liga Sérgio Motta a compra de voto para reeleição", é "enganosa, caluniosa e tendenciosa, com nítidas e estranhas intenções políticas". "Não há na matéria transcrita nenhuma informação ou dado concreto que justifique uma frase afirmativa como tem na manchete." O ministro também afirmou que "os fatos levantados na série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo devem ter rigorosissima apuração, inicialmente no âmbito da Câmara dos Deputados, como aliás, já foram tomadas providências pelo presidente da Câmara, estabelecendo uma comissão de sindicância com prazos exíguos. Os fatos citados, se comprovados, têm o repúdio da nação, do governo e o meu." Motta também nega que tenha favorecido o deputado Ronivon Santiago com uma concessão de TV.
- Fernando Henrique Cardoso
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que não acredita no envolvimento de Sérgio Motta nas denúncias de corrupção, mas afirmou que, se qualquer pessoa do governo estiver envolvida, será imediatamente desligada.
"Eu acho que as negociações no Congresso são normais em termos de pressões, mas não em termos de comprar votos. Isso, embora possa ter ocorrido em outras épocas -eu não quero confirmar porque não sei efetivamente-, no Brasil de hoje é totalmente inaceitável."...

3 - Os governadores
Cabia ao governador do Amazonas providenciar o dinheiro para pagar os deputados que decidiram votar a favor da reeleição. Segundo as gravações, o governador do Acre também participava do esquema

Amazonino
PFL-AM
Segundo as conversas de Ronivon Santiago e João Mendes com o "Senhor X", o governador Amazonino Mendes coordenava os votos dos deputados da região norte na votação da reeleição. Para isso, hospedou-se na Acadêmia de Tênis em Brasília, onde se encontrava com deputados. Foi nomeado prefeito de Manaus (1983-1985) e eleito governador em 1986 (pelo PMDB) e 1994 (pelo PPR, hoje PPB). Após a votação da emenda da reeleição, entrou para o PFL
O que ele diz
Considerou "fantasiosa e despropositada" a denúncia. Em nota oficial distribuída por sua assessoria, disse estar tranquilo. "Tanto que, justamente na semana em que o Senado vai apreciar o tema e decidir, inclusive, sobre a exclusão dos governadores (direito de reeleição), ele (Amazonino) está ausente do país, na Ucrânia"

Orleir Cameli
Sem partido-AC
Na votação da emenda da reeleição, o governador Orleir Cameli tentou aumentar seu prestígio no Planalto. Segundo João Maia, Cameli se sentiu incomodado por Amazonino coordenar os votos de toda a região norte, inclusive do Acre. Os cheques dados por Cameli teriam sido trocados por dinheiro vivo levado por Amazonino. Já sofreu um pedido de impeachment (rejeitado). Foi acusado de ter vários CPFs e de beneficiar duas empresas da família
O que ele diz
O governador do Acre negou que tenha comprado votos. "Se ainda tivesse sido outro o acusador, a denúncia merecia ser investigada. Mas o Ronivon (Santiago) todo mundo sabe que é louco, maluco, débil mental"

4 - O pagamento
Os deputados inicialmente receberam cheques de R$ 200 mil da empreiteira MC, da família do governador do Acre, Orleir Cameli. Os cheques foram trocados por dinheiro vivo por Amazonino Mendes. Ronivon Santiago recebeu R$ 100 mil em dinheiro e R$ 100 mil da empreiteira CM

MC (empreiteira)
Segundo as gravações, os cheques que pagariam os deputados e que depois foram rasgados eram da empreiteira Marmud Cameli. Os sócios da empreiteira, segundo a Junta Comercial do Acre, são Orleir Cameli, governador do Acre, Eládio (seu irmão) e Marmud (seu pai). Amazonino é amigo pessoal de Orleir e de Eládio, que representa a Marmud em Manaus (AM). Segundo as gravações, foi Eládio quem entregou os cheques aos parlamentares. Relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Amazonas afirma que a Marmud é a segunda empresa que mais se beneficiou no Estado com obras sem licitação em 1995
O que ela diz
Irmão de Orleir Cameli, Eládio disse que não entregou cheques a deputados para que votassem a favor da reeleição, como afirmou Ronivon Santiago em uma das gravações. "Não sei por que meu nome foi aparecer nessa história. Jamais dei cheque para deputado algum."

CM Engenharia (empreiteira)
É quem teria pago R$ 100 mil a Ronivon Santiago, dos R$ 200 mil. A bancada do Acre na Câmara conseguiu a aprovação de uma emenda de R$ 3,2 milhões para obras na BR-317. O trecho Rio Branco-Brasiléia dessa rodovia está sendo restaurado pela empresa. Numa das gravações, o "Senhor X" pergunta a Ronivon se "todo mundo pegou 200 pela votação". O deputado respondeu que recebeu 100: "Mas eu tinha um assunto meu. (Os outros 100) ficou para a CM, porque a empresa que está lá, pra faturar essa nota, que é para poder me pagar tudo"
O que eles dizem
O diretor da CM Engenharia Carlos Colombo disse que conhece o governador Orleir Cameli e que a obra na BR-317 está paralisada. Ele nega que tenha tratado do pagamento de propinas com o governador. Colombo também afirma conhecer Santiago, mas voltou a negar que tenha feito os pagamentos citados pelo deputado

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