São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Cameli mistura família com Estado

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A RIO BRANCO

Ao inaugurar uma balsa-hospital em janeiro deste ano, o governador do Acre, Orleir Cameli (sem partido), revelou em uma frase como faz política.
"Só tenho três pessoas para agradecer: a Deus, ao meu irmão, que construiu a balsa, e ao meu filho, que fez o projeto e comprou os equipamentos". Com Cameli é assim: não se sabe onde acabam os negócios da família e começam os do governo.
Talvez não seja acidental o fato de um dos irmãos do governador, o empresário Eládio Cameli, ter pago com cheque de uma de suas empresas cinco deputados para votarem a favor da reeleição, segundo afirma o deputado Ronivon Santiago (sem partido) numa das fitas obtidas pela Folha. Depois, os cheques teriam sido trocados por dinheiro e rasgados, conta Ronivon.
O governador Orleir Cameli coleciona denúncias de irregularidades desde o segundo mês de sua gestão, iniciada em janeiro de 1995. O STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília, investiga o governador em seis inquéritos.
Em Rio Branco, Orleir foi alvo de um pedido de impeachment que acabou derrotado -o governador controla a maioria dos deputados estaduais.
Madeireiro, dono de seringais, de uma empreiteira e de balsas que transportam cargas pelos rios da Amazônia, Orleir faz a "República de Alagoas" do ex-presidente Collor parecer uma "brincadeira de seminaristas", na definição do deputado estadual de oposição Edivaldo Magalhães (PC do B).
Um de seus aviões, um Boeing 727-200, foi apreendido com contrabando no aeroporto de Cumbica (SP). Segundo o senador Romeu Tuma (PFL-SP), Cameli tentou fazer um empréstimo para o Acre junto a uma empresa ligada a traficantes do cartel de Cali.
Veja a seguir algumas das "histórias extraordinárias" de Orleir Cameli, retiradas de documentos do Ministério Público Federal, do Tribunal de Contas do Estado e da Polícia Federal.
Saúde em família
O governador decidiu inovar na área de saúde. O Acre coleciona alguns dos piores índices do país. É o segundo pior Estado em casos de malária, mais da metade da população tem hepatite B e, de cada mil crianças nascidas, 70 morrem antes de fazer 1 ano.
Uma balsa-hospital, num Estado em que as estradas são raras e os rios abundantes, parecia um ovo de Colombo.
Ovo de Colombo acabou sendo o processo de compra. A balsa foi construída pela Conave, uma empresa de Manaus cujo proprietário é Francisco Cameli, irmão do governador.
Tudo foi feito às claras. Na placa de inauguração da balsa está escrito: Construtor: Conave - Companhia de Navegação Ltda. Custou R$ 1,8 milhão.
Na hora de equipar a balsa, com centro cirúrgico, sala de raio X, UTI (Unidade de Terapia Intensiva), enfermarias, equipamento de endoscopia, sala de parto e dois consultórios dentários, o governador escolheu uma empresa de um dos seus filhos, James Castro Cameli, para realizar as compras.
Em cinco meses, a balsa já encalhou três vezes: é grande demais. Vai ficar estacionada até outubro em Feijó, no interior, porque os rios estão secos. Ela deve navegar três meses por ano.
O primeiro desvio
Ninguém no Acre se assustou com a transparência de Cameli no caso da balsa-hospital.
Logo no segundo mês de seu governo, dois convênios assinados com o município de Cruzeiro do Sul, o segundo em porte no Estado, fizeram engordar em R$ 80 mil a conta de uma empresa da qual o governador é sócio com o pai e um irmão, a Cameli Comercial e Distribuidora. Tudo está documentado no Tribunal de Contas do Acre.
Os convênios 01/95 e 02/95 foram assinados para recuperar estradas vicinais e escolas. Nada disso aconteceu.
O prefeito de Cruzeiro do Sul, João Barbosa de Souza, disse que o dinheiro foi usado para saldar uma dívida da prefeitura com postos de gasolina da Cameli.
Segundo o Tribunal de Contas, os débitos em combustível nunca foram comprovados. Foi um dos motivos do pedido de impeachment do governador na Assembléia.
Contrabando com grife
O piloto Mauro Olivier de Castro teve seu pedido de visto negado pelos Estados Unidos em 1995 por causa de seu envolvimento com o narcotráfico.
Mas, em julho desse mesmo ano, Castro desceu em Miami numa comitiva de Cameli.
Castro -que fora preso no apartamento de um dos principais homens do cartel de Cali no Brasil, o traficante Antônio Mota Graça, segundo a PF- entrou nos EUA e assinou os documentos de compra de um 727-200 para a Marmud Cameli, empresa da família do governador.
O avião com 170 lugares vale R$ 7 milhões, segundo a Receita Federal. Seria a primeira das dez aeronaves que o governador planejava comprar.
Seria porque no dia 6 de agosto de 1995 o Boeing foi apreendido pela Receita no aeroporto de Cumbica com 110 caixas com equipamentos eletrônicos e peças para avião sem nota fiscal.
Pior: a empresa que comprara o avião, a Tropical Airlines Company, era fantasma. O avião foi apreendido.
Foi um caso inédito de "contrabando com grife", segundo a senadora Marina Silva (PT-AC). O avião voou de Miami para Manaus e de lá para São Paulo com o logotipo da Marmud Cameli na fuselagem e a muamba dentro.
Outro lado
A Folha procurou na tarde de sexta-feira o governador Orleir Cameli (AC) e foi informada de que ele estava em Brasília.

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