São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Leia a íntegra do relatório da comissão

Comissão de sindicância constituída para apresentar relatório sobre denúncias contidas em matéria do jornal Folha de S.Paulo, no dia 13 de maio de 1997, envolvendo membros desta Casa.
Leia a seguir a íntegra do relatório da comissão de sindicância: Relatório O sr. presidente da Câmara dos Deputados, por resolução datada de 13 de maio de 1997, constituiu a presente Comissão de Sindicância, composta dos srs. deputados Severino Cavalcanti, 2º vice-presidente e corregedor; Ibrahim Abi-Akel (PPB); Paulo Gouvêa (PFL); Edinho Araújo (Bloco-PMDB); Luiz Máximo (PSDB) e Paulo Bernardo (Bloco-PT), para, sob a coordenação do primeiro, apresentarem, no prazo de sete dias, relatório sobre denúncias contidas em matéria veiculada pelo jornal Folha de S.Paulo, em edição de 13 de maio de 1997, envolvendo o deputado Ronivon Santiago, cujas declarações foram extraídas, segundo o referido jornal, de gravações de conversas mantidas pelo mesmo, com interlocutor inominado, nas quais há referências expressas aos deputados João Maia, Zila Bezerra, Osmir Lima e Chicão Brígido, representantes do Estado do Acre na Câmara dos Deputados.
As gravações em questão contêm declaração do deputado Ronivon Santiago de que recebeu vantagens financeiras para votar a favor da proposta de emenda constitucional da reeleição e que o mesmo também ocorreu com os deputados acima citados. As gravações registram que tais vantagens financeiras indevidas foram patrocinadas pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes, e do Acre, Orleir Cameli, com a participação do sr. Eládio Cameli, irmão do governador Cameli e diretor da empresa Marmud Cameli, com sede no Estado do Acre.
O sr. coordenador, deputado Severino Cavalcanti, instalou a comissão em dependência do Espaço Cultural às 15h50min do mesmo dia 13 de maio de 1997, com a presença de todos os seus membros.
A comissão decidiu oficiar ao jornal Folha de S.Paulo solicitando a fita magnética que deu origem à denúncia. Interrompidos os trabalhos em virtude da ordem do dia da sessão da Câmara dos Deputados, foram os mesmos reabertos às 20h30min, tendo o coordenador procedido à leitura do ofício enviado à sucursal da Folha de S.Paulo, estabelecendo-se, na ocasião, o roteiro dos trabalhos.
Na data de 14 de maio de 1997, às 10h35min, reunida no mesmo local, a comissão foi informada pelo seu coordenador de que o jornal Folha de S.Paulo cederia a fita mediante o compromisso de proteção ao sigilo da fonte, condição esta aceita pela unanimidade de seus membros.
Às 10h45min a comissão recebeu a visita do presidente Michel Temer, que, em rápidas palavras, solicitou empenho na conclusão dos trabalhos no prazo estabelecido em sua resolução, colocando, para tanto, à disposição desta, a estrutura administrativa da Casa.
Na edição deste mesmo dia 14 de maio de 1997, a Folha de S.Paulo publicou nova reportagem contendo degravação de conversas mantidas pelo deputado João Maia, nas quais são reiteradas as notícias de transação financeira destinada ao aliciamento de votos favoráveis à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional da Reeleição.
Tendo decidido a comissão que fossem por ela ouvidos todos os deputados mencionados nos referidos noticiários, bem como o jornalista signatário da matéria pertinente ao deputado Ronivon Santiago, foi dirigido ao jornalista Fernando Rodrigues convite para vir depor em primeiro lugar perante a comissão. Este, contudo, recusou-se a fazê-lo, sob a alegação de que tudo quanto lhe competia dizer a propósito do assunto já se encontrava estampado na reportagem do aludido jornal.
Por proposta do deputado Paulo Gouvêa, a comissão decidiu escolher um relator, tendo sido indicado para esse cargo, pelo deputado Severino Cavalcanti, o deputado Ibrahim Abi-Ackel, aprovado por unanimidade.
A comissão decidiu ainda tomar os depoimentos do sr. ministro Sérgio Motta, dos srs. governadores do Amazonas, Amazonino Mendes, e do Acre. Orleir Cameli, bem como do deputado Pauderney Avelino, dado o fato de terem sido todos eles nominalmente citados nas conversas dos deputados Ronivon Santiago e João Maia referentes aos fatos objeto desta sindicância.
Em obediência ao roteiro por ela traçado, às 17h30min da mesma data compareceu perante a comissão o deputado Ronivon Santiago, acompanhado de seu advogado, o qual foi, entretanto, advertido de que lhe era permitido tão-somente assistir ao depoimento, sem nele intervir e sem que lhe fosse facultado instruir o declarante.
À vista de informações obtidas por membros da comissão, o deputado Luiz Máximo propôs que o ex-deputado Narciso Mendes fosse convidado a comparecer perante a comissão, proposta esta aprovada pelos demais membros.
O deputado Ronivon Santiago escusou-se de prestar declarações à comissão sem antes ouvir a gravação cuja voz lhe é atribuída. Repetidas vezes inquirido por membros da comissão, deixou claro que conhece a identidade da pessoa que fez a gravação, denominada, pela Folha de S.Paulo, Senhor 'X' , e que essas gravações contém brincadeiras de sua autoria, as quais, devidamente editadas, permitiram a montagem supostamente incriminadora.
Insistiu, contudo, em somente prestar declarações depois de examinar pessoalmente a fita, pois somente com essa providência, por ele reputada, indispensável, poderia prestar esclarecimentos e formular a sua defesa.
Foi ouvido em seguida o deputado Osmir Lima, que negou, peremptoriamente, qualquer envolvimento seu nas transações financeiras a que se referem as reportagens. Declarou que os deputados eleitos pelo Estado do Acre, inclusive ele próprio, defendem a liberação de recursos financeiros para o Estado, mencionando especificamente a construção das rodovias BR-364 e BR-317 como indispensáveis à prosperidade daquela Unidade da Federação.
Declarou, em resposta a numerosas perguntas dos membros da comissão, que seus votos na Câmara dos Deputados, principalmente o alusivo à emenda da reeleição, obedecem sempre a esse propósito e que jamais foi sequer procurado pelo governado do Acre ou por qualquer outra pessoa para tratativas que envolvessem a contrapartida de favores financeiros ao voto favorável à reeleição.
Declarou ainda que as reuniões havida na Academia de Tênis de Brasília, entre deputados do Acre com o governado Amazonino Mendes, destinavam-se a discutir programas e projetos de interesse da Amazônia.
Afirmou, finalmente, o deputado Osmir Lima que nunca teve conhecimento de qualquer entendimento ou conversa destinada a conquistar votos favoráveis à proposta da reeleição mediante pagamento em dinheiro.
O deputado Osmir Lima propôs-se a entregar à comissão o extrato de suas contas bancárias a partir do mês de janeiro do corrente ano, providência essa que tomou na manhã de 20 de maio, quando procurou o relator da comissão e fez a entrega de dois extratos bancários do Banco do Brasil, agência 3.596-3, bem como declaração do Banco do Estado do Acre S/A de que Osmir de Albuquerque Lima Filho, juntamente com sua esposa Maria Elizabeth do Vale Lima, são devedores àquele banco, da importância de 44 mil, 537 reais e 41 centavos, tendo como garantia 3 (três) lotes de terra avaliados em 64.434 reais. Os documentos em apreço acompanham o presente relatório.
A comissão tomou em seguida o depoimento da deputada Zila Bezerra, que compareceu acompanhada de seu advogado, o qual foi igualmente advertido da impossibilidade de qualquer intervenção. A deputada Zila Bezerra declarou-se surpreendida pelas informações contidas nas reportagens da Folha de S.Paulo, eis que jamais ouviu falar de aliciamento mediante suborno em favor da Proposta de Emenda Constitucional da Reeleição. Declarou que não pôde identificar, na gravação reproduzida pela Rede Globo, a voz do deputado Ronivon Santiago, porque a mesma lhe pareceu confusa.
Inquirida repetidas vezes pelos membros da comissão, a deputada Zila Bezerra negou taxativamente não só seu envolvimento pessoal em tais transações como qualquer conhecimento, direto ou indireto, sobre a existência destas. Esclareceu que vem se empenhando junto ao governo federal para a implantação das áreas de livre comércio em Brasiléia, Epitaciolândia e Cruzeiro do Sul, no Acre, objeto da lei nº 8.857/94, resultante de projeto por ela apresentado em 1991 e que tem agido na orientação de seus votos no sentido de assegurar essa implantação. Aduziu que votou a favor da reeleição em virtude de audiência que lhe concedeu o presidente da República, durante a qual, contudo, nem ela fez petições específicas em favor de obras ou recursos para seu Estado nem lhe pediu o presidente da República voto favorável à mencionada Proposta de Emenda Constitucional.
Tanto quanto o deputado Osmir Lima, a deputada Zila Bezerra deixou registrado o tom nem sempre sério das conversas do deputado Ronivon Santiago, tido no meio parlamentar do Acre como propenso à inconsequência verbal.
Ouvido em seguida, o deputado Pauderney Avelino declarou que antes de ser convidado a prestar depoimento já telefonara ao coordenador, deputado Severino Cavalcanti, colocando-se à disposição para fazê-lo de livre e espontânea vontade.
Declarou o deputado Pauderney Avelino que trabalhou abertamente em favor da emenda da reeleição porque é partidário da medida e também porque é vice-líder do governo, mas que em nenhum momento tomou conhecimento de qualquer insinuação, da parte de qualquer autoridade ou parlamentar, sobre vantagem pecuniária ou qualquer outro tipo de favor em troca do voto favorável à emenda.
Afirmou que em nenhum momento se referiu ao ministro Sérgio Motta, o qual não tem relação próxima ou relação pessoal com o governador Amazonino Mendes, sendo, portanto, fantasiosas as referências alusivas a essas duas autoridades.
Acentuou que refutava terminantemente a alegação contida nas declarações gravadas do deputado João Maia de que fosse ele -deputado Pauderney Avelino- o contato inicial para negociação de votos favoráveis à reeleição.
Nega o deputado Pauderney Avelino que tenha admitido a interveniência do ministro Sérgio Motta nessa questão, incriminando estas insinuações como falsas e caluniosas.
Compareceu, em seguida, perante a Comissão, o deputado João Maia, que apresentou petição escrita requerendo cópia do inteiro teor do processo administrativo até a presente data, cópia da fita que lhe diz respeito, informação sobre a nomeação do perito e quais os quesitos apresentados, bem como cópia das intimações feitas até o presente momento, assim como de todos os atos praticados.
A petição contém, ainda, requerimento para apresentar assistente de perito, assim como formular quesitos à perícia, desde que tenha o mesmo deputado acesso à fita gravada.
Declarou que, baseado no amplo direito de defesa, reservava-se para somente prestar declarações à comissão após ouvida a fita, tendo pedido permissão aos membros da comissão para encerrar as suas declarações.
Apesar de inquirido individualmente pelos membros da comissão e de advertido de que aquela era a oportunidade para apresentar os esclarecimentos que entendesse necessários, o deputado João Maia insistiu na negativa, razão pela qual foi encerrado o seu depoimento.
A comissão, por unanimidade, indeferiu o requerimento formulado pelo deputado João Maia, por entender que o contraditório, com a respectiva produção de provas, não é da competência da comissão de sindicância, incumbida, apenas, do levantamento preliminar de indícios que possam autorizar o devido processo legal.
Seguiu-se o depoimento do deputado Chicão Brígido, o qual, após discorrer sobre sua vida de trabalhador e sobre as dificuldades a ela inerentes, declarou que lhe é inteiramente estranha toda essa questão referente à barganha de voto por dinheiro e que em seus contatos com o governador Orleir Cameli jamais fez este qualquer alusão a interesses financeiros, o que não é da índole de sua atividade política.
Na mesma data de 14 de maio de 1997 o diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, oficiou ao deputado Severino Cavalcanti declarando o propósito de colaborar, por todos os meios ao seu alcance, com os trabalhos da comissão de sindicância, ressalvada a preocupação de reservar o sigilo da fonte das informações jornalísticas que deram causa à constituição da comissão. Por esse motivo, as fitas magnéticas não poderiam ser entregues "in totum", sendo necessária a supressão dos trechos onde aparecem as intervenções do interlocutor dos deputados Ronivon Santiago e João Maia.
No mesmo ofício, acentua o sr. Otavio Frias Filho que estava providenciando tal supressão, a qual, a seu ver, em nada prejudicaria a atividade apuratória e que, tão logo concluída essa providência, seria encaminhada à comissão a cópia solicitada. Consta finalmente do mesmo ofício que seriam também suprimidos da gravação trechos que não dissessem respeito ao objeto de interesse da comissão de sindicância, os quais, se divulgados, poderiam também ensejar quebra de sigilo da fonte.
Na mesma data, o corregedor e coordenador da comissão, deputado Severino Cavalcanti, se dirigiu ao sr. reitor da Universidade de Campinas -Unicamp-, solicitando-lhe, em aditamento a conversa telefônica anterior, a indicação de técnico para realizar perícia nas fitas magnéticas que, nas condições explicitadas pelo diretor de Redação da Folha de S.Paulo, anteriormente mencionadas, seriam entregues à comissão para ultimar seus trabalhos, o deputado Severino Cavalcanti solicitou ao sr. reitor que a perícia fosse realizada no mais breve espaço de tempo possível.
O sr. reitor José Martins Filho, em ofício nº 387/97, imediatamente informou ao coordenador da Comissão que o perito indicado pela Unicamp é o prof. Ricardo Molina, e que a perícia em questão ficava na dependência da entrega das fitas magnéticas a serem analisadas.
De posse dessas informações, o deputado Severino Cavalcanti deslocou-se para São Paulo, em cujo aeroporto recebeu, das mãos de funcionária do jornal Folha de S.Paulo, as fitas magnéticas, tendo S. Exa. imediatamente se dirigido de automóvel à cidade de Campinas, onde, na Unicamp, nas primeiras horas da manhã do dia 16 do corrente, fez a entrega das mesmas ao sr. perito, dr. Ricardo Molina. Na manhã do dia 17, o sr. coordenador da comissão foi cientificado pelo perito de que eram necessárias as cópias dos depoimentos prestados nesta comissão pelos deputados Ronivon Santiago e João Maia, a fim de compará-las com as gravações objeto da perícia. Já no dia 18, de posse dessas cópias, o sr. coordenador voltou a Campinas, onde as entregou pessoalmente ao perito.
Na data de 15 de maio de 1997, pela CT nº 44/MC, o ministro Sérgio Roberto Vieira da Motta participou à comissão que considerava inadequado o seu comparecimento para prestar declarações, uma vez que o assunto tratado pelo jornal Folha de S.Paulo não envolvia fato concreto relativo à sua pessoa. S. Exa. anexou ao mencionado ofício a íntegra de nota oficial de sua autoria, que no seu entendimento esgota o assunto no que lhe diz respeito.
Por sua vez, com data de 18 de maio de 1997, o governador do Estado do Acre, Orleir Messis Cameli, oficiou ao sr. deputado Severino Cavalcanti, acusando o convite para depor perante a comissão de sindicância, mas declarando que se colocava à disposição da mesma na sede do governo do Acre, em Rio Branco, na segunda-feira, dia 19, às 18h. No mesmo ofício, o governador Orleir Messis Cameli declara desconhecer absolutamente qualquer tratativa de cooptação de parlamentares, mediante pagamento ou qualquer outro favor por parte do governo do Estado do Acre, na União Federal, bem como por qualquer pessoa ou autoridade, no curso do processo legislativo que aprovou a proposta de emenda constitucional da reeleição, motivo pelo qual considera improcedente qualquer menção ao seu nome.
Em face destas declarações, a comissão julgou dispensável sua locomoção até Rio Branco, para o fim único de tomar o depoimento do governador Orlei Cameli.
No dia 20 de maio de 1997 o sr. coordenador da comissão, deputado Severino Cavalcanti, requereu ao presidente da Câmara a prorrogação do prazo assinado à comissão, por 24 horas, a fim de que pudesse a mesma concluir a sindicância.
Na mesma data recebeu o coordenador da comissão ofício do sr. Narciso Mendes, declarando que motivos superiores o impediam de comparecer à comissão para prestar depoimento e que nada tinha a oferecer como contribuição à sindicância.
Ainda da mesma data é o ofício do governador do Amazonas, Amazonino Mendes, no qual declara que antecipou seu retorno ao Brasil com o objetivo de prestar esclarecimentos ao país e a esta comissão. Declarando que dera, a respeito do assunto, entrevista coletiva à imprensa e que não possuía ligações, ainda que superficiais, com Ronivon Santiago e João Maia, reitera o governador Amazonino Mendes "sua absoluta ausência nos supostos episódios". Solicitou fosse imediatamente tomado o seu depoimento, sugerindo que se realizasse a audiência a partir das 14 horas do mesmo dia, em seu gabinete, na sede do governo do Amazonas. Em face das declarações contidas no ofício a comissão julgou dispensável a viagem de seus membros a Manaus, para o depoimento do governador.
O sr. coordenador submeteu à comissão ofício do deputado Ronivon Santiago, pelo qual apresenta os extratos de suas contas bancárias, os quais acompanham o presente relatório.
Os deputados João Maia e Ronivon Santiago, em petição conjunta, assinada pelo advogado Paulo Alves da Silva, sustentam a nulidade dos elementos colhidos pela comissão, por considerá-lo "processo administrativo", e, como tal, sujeito à garantia do contraditório. Esclarecem no ofício que somente comparecerão para depor depois de obtidas cópias de todos os elementos existentes, das fitas e do laudo pericial.
No dia 21 de maio, enquanto reunida a comissão para início do debate sobre o relatório, foram encaminhadas ao coordenador, pela Mesa da Câmara, cópias dos ofícios em que os deputados Ronivon Santiago e João Maia renunciam ao mandato de deputado federal.
A comissão considera desnecessária a reconstituição, neste relatório, dos fatos transcritos das gravações, uma vez que nestas se encontram minudenciados não só os fatos, como nomes, local, quantias, finalidades da transação e forma de pagamento.
Apesar do empenho durante as inquirições, a comissão de sindicância não obteve dos deputados Ronivon Santiago e João Maia elementos que lhe permitam questionar a existência das gravações e a autenticidade do seu conteúdo, tal como expresso nas publicações mencionadas. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, únicas pessoas habilitadas a fazê-lo, não as contestaram. O primeiro chegou a admiti-las, ainda que não reconhecendo, por vezes, a autenticidade da sua voz. Declarou saber que sua conversa estava sendo gravada, mas insistiu em negar o sentido incriminador que tem dado às suas declarações. O deputado João Maia negou-se a prestar declarações à comissão sob a alegação de que somente poderia fazê-lo depois de lhe ser fornecida cópia da fita.
No debate sobre as providências a serem indicadas pela comissão, examinou-se a possibilidade de se recomendar a instalação de CPI destinada à apuração dos fatos mencionados nas gravações, defendida pelo deputado Paulo Bernardo. Entende contudo a comissão, por maioria de votos, que lhe falece competência para fazê-lo, uma vez que a CPI pressupõe requerimento firmado pelo mínimo de um terço dos membros da Câmara dos Deputados (Constituição federal, art. 58, parágrafo 3º e Regimento Interno, art. 35), condição esta que a Comissão não pode suprir. A atribuição conferida à comissão de sindicância é a de recomendar à Mesa da Câmara as providências legais que lhe pareçam cabíveis, restritas, obviamente, à competência da Mesa Diretora, que igualmente não pode suprir, por iniciativa própria, a exigência constitucional do mínimo de assinaturas. Entende, ainda, a Comissão que, recomendada a constituição da CPI e não atendida posteriormente a exigência do mínimo indispensável de assinaturas, restaria inútil a apuração levada a termo pela comissão.
As renúncias dos deputados Ronivon Santiago e João Maia não alteram as atribuições da comissão. Despojados de seus mandatos de deputado federal escapam ambos do processo legal por quebra de decoro parlamentar, cujo foro é a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, passando suas condutas à esfera da justiça penal.
A 20 de maio de 1997 os senhores membros da comissão de sindicância, deputados Severino Cavalcanti, Paulo Gouvêa, Edinho Araújo, Luiz Máximo e Paulo Bernardo dirigiram-se a Campinas a fim de receber, na Unicamp, o laudo pericial das fitas procedido pelos professores Ricardo Molina de Figueiredo, Edson José Nagle e Donato Pasqual Júnior, que na ocasião deram explicações técnicas sobre o instrumental e os métodos de apuração por eles utilizados.
O laudo, constante de 58 páginas, acompanha o presente relatório, sendo necessário, porém, transcrever a parte referente ao material questionado, bem como a conclusão a que chegaram os peritos:
"II) Descrição
I.1) Objetivo pericial
Os presentes exames visam:
Realizar análises acústicas comparativas entre as vozes questionadas e padrões de confronto das vozes dos senhores deputados Ronivon Santiago e João Maia.
II.2) Instrumental utilizado
Para os procedimentos de reprodução foi utilizado:
- um gravador cassete TEAC W-800 R;
- um gravador DAT TASCAM DA-30.
Para os processos de filtragem, equalização e redução de reverberação foram utilizados:
a) um equalizador paramétrico com filtro notch ORBAN modelo 642B/SP;
b) um compressor/limitador/de-esser ORBAN modelo 290RX;
d) o sistema de filtros digitais do CSL 4300B, da KAY Elemetrics;
e) o Noisy Signa/Enhancement Program, modelo 4342, da KAY Elemetrics.
Para os procedimentos de análise espectográfica e extração de parâmetros acústicos foram utilizados:
a) o Sonógrafo Digital DSP-5.500, da KAY Elemetrics;
b) o sistema de análise acústica computadorizada CSL (Computerized Speech Lab), da KAY Elemetrics, modelo 4.300B.
II.3) Material questionado
- uma fita cassete de áudio BASF Ferro Extra 60, nº de lote 0627411000, acondicionada em estojo plástico convencional, etiquetada, no lado A com os dizeres manuscritos: 13.05.97 Folha. Esta fita será denominada, ao longo do presente laudo pericial, de FITA QUESTIONADA # 3.
As supracitadas fitas foram fornecidas pelo jornal Folha de S.Paulo e contêm gravações de diálogos dos quais foram suprimidas as intervenções de um dos interlocutores, de modo a preservar sigilo quanto à sua identidade.
II.4) Material padrão
O seguinte material foi fornecido aos peritos para servir como padrão de confronto:
Fitas fornecidas pela comissão de sindicância da Câmara dos Deputados
- uma fita cassete de áudio Nipponic HG 60, sem nº de lote, etiquetada no lado A com os seguintes dizeres manuscritos: Sessão CD 11/07/96 (14:00-17:00) ... Dep. Ronivon Santiago-PE-(14:22-14:23);
- uma fita cassete de áudio Nipponic HG 60, sem nº de lote, etiquetada no lado A com os seguintes dizeres manuscritos: Sessão CD 11/10/96 (9:00-11:59) ...Dep. João Maia-PE-(10:06-10:09) ... Sessão CD 27/11/96 (14:00-19:10) ... Dep. João Maia-PE-(15:25-15:27) ... Sessão CD 11/03/97 (14:00-19:14) ... Dep. João Maia-PE-(14:42-14:44)];
- três fitas cassete de áudio (contendo os depoimentos dos deputados envolvidos à Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados). Estas fitas foram copiadas no Laboratório de Fonética Forense e imediatamente devolvidas ao deputado Severino Cavalcanti.
Fitas fornecidas pelo jornal Folha de S.Paulo
- uma fita cassete de áudio BASF Ferro Extra 60, nº de lote 06274110, etiquetada no lado A com os seguintes dizeres manuscritos: `DEPUTADOS ACRE-CÓPIA' (contendo entrevistas obtidas por telefone);
- três fitas de vídeo cassete BASF (contendo matérias de telejornais com entrevistas dos deputados envolvidos).
Fita fornecida pela rádio CBN
- uma fita cassete de áudio BASF Ferro Extra 60, nº de lote 3306411000, etiquetada no lado A com os seguintes dizeres manuscritos: `Ronnie/CBN/' (contendo entrevistas por telefone com os deputados envolvidos).
Comentário: o material padrão, em seu conjunto, foi considerado satisfatório, visto que contém ampla amostra de cada uma das vozes, tanto em estilo formal quanto informal.]
"Conclusões
Em face de tudo quanto foi observado, analisado e exposto, os signatários concluem que:
1 - Em nenhum bloco isolado de fala, circundado por interrupções de silêncio, foi encontrado indício concreto de tentativa de montagem fraudulenta, que pudesse, de algum modo, adulterar o sentido original das frases e expressões originalmente produzidas e contidas no referido bloco. Em outras palavras, não há indícios de montagem que pudesse, por algum meio, físico, eletrônico ou digital, criar uma frase ou expressão artificial que não tivesse sido efetivamente produzida pelos interlocutores gravados nas fitas questionadas.
2 - O conjunto de evidências perceptuais e acústico-espectográficas observado indica que a voz do sr. Ronivon Santiago é a mesma voz do interlocutor que fala nos trechos A, B, C, F, I e J da transcrição em anexo.
3 - O conjunto de evidências perceptuais e acústico-espectográficas observado indica que a voz do sr. João Maia é a mesma voz do interlocutor que fala nos trechos E, G e H da transcrição em anexo.
Observações:
i) O trecho D não apresenta elementos acústicos suficientes para uma avaliação segura;
ii) O processo de identificação pressupôs que os trechos classificados na transcrição, em função de coerência discursiva e da presença de ruído de fundo constante, pertencem a um mesmo diálogo original.
Campinas, 20 de maio de 1997.
Prof. dr. Ricardo Molina de Figueiredo, coordenador do Laboratório de Fonética Forense, departamento de Medicina Legal - FCM/Unicamp; prof. Edson José Nagle, CPqD - Telebrás/CTC-Unicamp; Donato Pasqual Junior, assistente técnico - DMl-FCM-Unicamp].
Embora as declarações dos deputados Ronivon Santiago e João Maia, alusivas à conduta dos deputados Osmir Lima, Zila Bezerra e Chicão Brígido sejam por estes contraditadas em seus depoimentos, entende a comissão que tais divergências, só por si, não bastam para elidir os indícios até aqui existentes de comportamentos incompatíveis com o decoro parlamentar.
As conversas dos deputados Ronivon Santiago e João Maia, gravadas e divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo, contêm ainda elementos de convicção sobre a prática de crime de corrupção, por eles expressamente atribuído aos governadores do Amazonas e do Acre, bem como ao sr. Eládio Cameli, diretor da empresa Marmud Cameli, e, ainda que de maneira imprecisa, ao ministro Sérgio Motta.
Isto posto, o parecer da comissão, por maioria de votos, é o de que há, nos elementos até agora apurados indícios de quebra do decoro parlamentar (Constituição federal, art. 55, II e parágrafo 1º; Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 240, II, e art. 244, caput e parágrafo 2º, II) e de prática dos crimes de corrupção ativa e de corrupção passiva, pelo que recomenda:
I - seja instaurado na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, mediante representação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, o devido processo legal para apuração da conduta atribuída aos deputados Osmir Lima, Zila Bezerra e Chicão Brígido, representantes do Estado do Acre na Câmara dos Deputados, na forma do art. 240, parágrafos 1º e 3º (incisos I, II, III e IV) do Regimento Interno da Câmara dos Deputados;
II - sejam enviadas cópias da presente sindicância e respectivo relatório às Assembléias Legislativas dos Estados do Acre e do Amazonas para os procedimentos legais cabíveis;
III - sejam enviadas cópias da presente sindicância e respectivo relatório aos procuradores-gerais de Justiça dos Estados do Acre e do Amazonas e ao procurador-geral da República tendo em vista a competência privativa do Ministério Público para promoção de ação penal.
Brasília, 21 de maio de 1997.
(a) Ibrahim Abi-Ackel - relator

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