São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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"Um Dia Especial" expõe romantismo fragmentado

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cinema americano sempre demonstrou facilidade para captar tendências da vida moderna. Depois de uma série de filmes enfocando o divórcio, num leque que engloba desde o pioneiro "Kramer vs. Kramer" (79) até a "Guerra dos Roses" (89), estamos diante de uma nova onda de romantismo.
"Um Dia Especial", seguindo os passos de "Sabrina" (96), reatualiza as comédias românticas típicas dos anos 40, nas quais a antipatia inicial prenunciava o amor.
A grande novidade é que o par romântico é formado por pais divorciados, arredios a qualquer novo relacionamento e tomados completamente pelo trabalho.
Michelle Pfeiffer reluz com competência no papel de Melanie Parker, arquiteta promissora e mãe do pequeno Sammy. George Clooney aumentou sua expectativa de vida como ator, sobrevivendo ao papel de doutor Douglas Ross do seriado "Plantão Médico", ao representar com desenvoltura Jack Taylor, colunista do "Daily News" e pai de fim-de-semana de Maggie.
Por obra de um atraso, ambos não conseguem embarcar as crianças numa excursão. A confusão está armada, num dia que pode ser decisivo para suas carreiras.
Adotam, então, uma alternância de turnos com os filhos, na tentativa de minimizar aquelas 24 horas que prometem ser infernais.
A atmosfera de atração e recusa que toma conta dos pais reproduz-se entre as crianças. A previsibilidade do final feliz não chega a prejudicar o tratamento cômico que foi dado à história.
Mas por trás da leveza da comédia, o que está em pauta é um assunto para lá de problemático. A competitividade do mercado de trabalho exige um grau de dedicação que torna inviável qualquer projeto de vida em família.
Para quem é divorciado e tem filhos, as complicações são ainda maiores. Basta um simples imprevisto e o sujeito está à mercê de uma longa rodada de negociações envolvendo a ex, os filhos, o atual parceiro da ex, a sua atual, os filhos dela, o ex da atual e, eventualmente, seus novos filhos com a atual e os novos filhos da sua ex com o atual dela. Em outras palavras, um conglomerado de afetos.
Talvez em função dessa fragmentação das relações afetivas e da otimização do trabalho, um dos principais papéis do filme tenha sido dado ao telefone celular.
Esta lógica se infiltra também a partir da própria técnica de filmagem, que fez bom uso da tela dividida, reiterando a fragmentação de nosso cotidiano.
Outra estratégia para enfatizar o ritmo estressante foi assinalar a passagem do tempo por meio de relógios digitais. Pouco a pouco, vamos perdendo a dimensão cíclica do tempo, o relógio digital arremessa os personagens para um futuro sem volta.
Vendido como uma comédia que reivindica um espaço para o romantismo dos anos 90, "Um Dia Especial" sai em defesa de uma relação conjugal mais solidária.
O novo casal não conta com empregada doméstica nem com as avós. Viver a dois passou a ser uma pequena lição de tolerância. O filme é um protesto tímido que não pretende iludir ninguém. No fim, mesmo fazendo hora extra, pais e filhos, cada um a seu modo, não encontraram quem os levasse para a cama.
(AM)

Filme: Um Dia Especial
Produção: EUA, 1997
Direção: Michael Hoffman
Com: Michelle Pfeiffer e George Clooney
Quando: a partir de hoje, nos cines Bristol, West Plaza 3 e circuito

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