São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997![]() |
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Jack Miles mostra que Deus vacilou
MARCELO REZENDE
"Deus - Uma Biografia" (ed. Companhia das Letras) deu a Miles o Prêmio Pulitzer do ano passado e também a fama acompanhada de controvérsia. A análise de Deus como um ser em dúvida, de personalidade vacilante, à maneira de um Hamlet, fez de Miles um sucesso. E também um inimigo dos evangélicos fundamentalistas de seu país. "Tenho viajado por alguns lugares para falar sobre o livro, e cada povo parece encontrar algo diferente. Para os franceses, por exemplo, o que espanta na biografia é o humor", disse Miles em entrevista à Folha na última quinta-feira, por telefone, de sua casa em Los Angeles (EUA). No próximo dia 2 de junho será a vez de os brasileiros discutirem com o biógrafo sua tentativa de fazer de Deus um personagem literário, a notável figura apresentada no "grande romance" que é a "Bíblia". Miles falará em SP país em um encontro promovido pela Folha, Unibanco e a editora Companhia das Letras. Ele debaterá às 21h na sala 1 do Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.475). O evento é o primeiro da série "Autores". O objetivo é promover conferências e debates com autores estrangeiros, sempre abertos ao público e gratuitos. Os interessados em assistir ao evento devem retirar convites a partir das 14h do dia 2, na bilheteria do Espaço Unibanco. Leia abaixo alguns trechos da entrevista. * Folha - O sr. tem afirmado que "Deus - Uma Biografia" se aproxima mais do estudo literário -a "Bíblia" e Deus, seu principal personagem- que de uma obra que se relaciona diretamente com a religião. O sr. sente afinidades com um crítico como Harold Bloom? Jack Miles - Harold Bloom em seu "O Livro de J." procura entender a "psicologia de Deus" e é um trabalho realmente brilhante. Mas o Deus que ele encontra é essencialmente o do livro do Gênese. Acho que há muito mais na "Bíblia" do que apenas esse livro. O começo de uma vida é sempre importante, mas penso que o final de uma vida pode ser também muito importante para a compreensão dos fatos. Folha - O sr. se detém apenas no "Velho Testamento". Por que não falar da personalidade de Deus que aparece com Jesus? Miles - Na verdade eu preparo agora um segundo livro que pretende recontar a história de Deus. E que incluirá o cristianismo. Eu descobri que judeus e cristão lêem o "Velho Testamento" em ordens diferentes. Os cristãos encontram as profecias no final e os judeus, no meio da "Bíblia". Se eu tomar os capítulos da vida de alguém e alterar a ordem em que aparecem, terei, na verdade, uma outra vida. O que temos então são duas bíblias, duas biografias diferentes sobre um mesmo Deus. Uma biografia dos cristãos e uma biografia dos judeus. Meu primeiro livro é a história de Deus como ela poderia ser contada, feita a partir do "Velho Testamento". Meu segundo livro será sobre como e por que o cristianismo rearranjou os últimos capítulos da "Bíblia". Folha - E como judeus e católicos receberam sua biografia de Deus? Houve algum tipo de polêmica? Miles - A recepção do livro entre os judeus -ao menos aqueles que vivem nos EUA- foi acolhedora, porque aqui pela primeira vez um cristão, eu sou cristão e pratico o cristianismo, analisa a "Bíblia" e não recorre ao "Novo Testamento", ainda que isso não fosse condenável porque as duas versões, católica e judaica, são satisfatórias em termos gerais. A história judaica foi contada então eu seus próprios termos. A recepção entre os católicos foi muito boa também. O livro foi escolhido para o "clube do livro" dos católicos da América. Mas entre os evangélicos fundamentalistas o livro não foi tão bem aceito. Ele se opuseram a idéia de que Deus sofre mudanças com experiência do homem, uma idéia que apresento em "Deus - Uma Biografia". Folha - Para muitos, escrever a biografia de Deus pode soar como um ato de heresia. Miles - Em primeiro lugar é necessário entender que em momento algum eu tentei provar que Deus existe ou, o contrário, que Ele não existe. Ele existe e vive nas páginas da "Bíblia", então vamos falar Dele onde podemos encontrá-lo. Se existem pessoas acreditando que Deus vive nos céus, há também os que não acreditam. Mas há algo inegável: Ele é culturalmente importante, e nisso concordam até os que negam Sua existência. Deus é uma idéia em nossa mente que existe e persiste há muito tempo. Não existe nenhum personagem literário, figura política e estrela de cinema capaz de ser ser reconhecida por todos no Ocidente. Mas todos nós reconhecemos o nome de Deus, e todos sabemos algo sobre Sua história. Entender mais profundamente como essas idéias foram geradas é um exercício sadio. Isso faz de mim um herege? Livro: "Deus - Uma Biografia Autor: Jack Miles Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 33,50 (504 páginas) O evento tem o apoio do hotel Caesar Park e do Espaço Unibanco de Cinema Próximo Texto: DEUS NÃO É AMOR Índice |
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