São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997
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Respondendo a Antonio Cícero

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Caro Antonio Cícero, agora que você já recebeu o prêmio tão desejado, sinto-me desimpedido para comentar sua carta publicada na Folha, no dia 10 de maio, no qual diz ter sido antiética minha atitude de escrever sobre os finalistas do Prêmio Nestlé de Literatura, pois havia prefaciado um deles, "Resumo do Dia", de Heitor Ferraz.
Fui o primeiro a alertar para o fato, afirmando que me sentia constrangido em comentar o livro. Cumpri à risca. Mas você, incomodado com as restrições feitas a "Guardar", resolveu inverter o sinal ético contido no meu argumento, interpretando-o como manobra retórica cuja única finalidade era favorecer Heitor a partir de então.
Como se não bastasse, enxergou -com as lentes de aumento do seu narcisismo- um suposto lobby "uspiano". Segundo essa percepção amesquinhada do mundo, lhe pergunto: pelo fato de ter lamentado as ausências de Nelson Ascher, Orides Fontela, Ronald Polito e Ruy Proença entre os finalistas, eu deveria ser acusado de formação de quadrilha?
Demorei na resposta, pois meu objetivo era evitar ataques pessoais. Defender minhas idéias não implica desqualificar Antonio Cícero.
Em primeiro lugar, desempenho a função de crítico há alguns anos e, até recentemente, assinava a coluna "Novos Autores-Poesia". Quando o editor do caderno Mais!, Alcino Leite Neto, encomendou uma avaliação sobre os finalistas, aceitei porque estava exercendo meu trabalho.
Segundo, Heitor figurava entre os finalistas escolhido por Benedito Nunes, Flora Süssekind e Gabriel Villela. Ou seja, ele nunca precisou de padrinhos. Terceiro, segundo o editor, o artigo seria publicado em 27 de abril, quando a votação em livrarias e bibliotecas estaria encerrada.
Por falar em "águas turvas", você não ficou constrangido com o fato de o regulamento lhe privilegiar? Quando sua editora, Record, com maiores recursos do que a Sette Letras e a Ateliê Editorial, divulga seu livro nos jornais não está fazendo campanha? Incluir em "Guardar" letras que tocam nas rádios não retira o ineditismo necessário para concorrer na categoria de estreante?
Essas questões, implícitas em meu artigo, se restringiam apenas ao regulamento do prêmio, no intuito de que ele fosse repensado. O fato de os organizadores terem levado em conta algumas de minhas sugestões comprova que elas tinham relevância e não visavam "macular o livro na cabeça do leitor irrefletido". Quando afirmei que "Guardar" era oscilante e desigual, procurei, de forma civilizada, dizer que não gostava do livro. Pelo jeito, nem o filósofo e nem o poeta entenderam tal gentileza. Só me resta afirmar, categoricamente: seu livro é muito ruim.
O meio literário precisa aprender a conviver com opiniões divergentes. Vejamos: a orelha de "Guardar" foi escrita por Silviano Santiago, um dos críticos mais importantes do país. Além disso, mereceu resenhas elogiosas na Folha, escrita por Nelson Ascher, e no "Estado". Apesar desses juízos críticos favoráveis, tenho o direito de não gostar do seu livro.
No fundo, Antonio Cícero, não estou respondendo a você, respondo a um estado de coisas que inviabiliza as discussões que realmente contam. Prêmios são sempre bem-vindos, mas não tem a mínima importância para quem escreve. Aliás, deveríamos escrever um tipo de poesia que não ganhasse prêmios. Qual deles alterou significativamente o quadro da poesia brasileira? Você estava preocupado com a possibilidade de não ganhar. Fiquei aliviado: você venceu. Até o próximo ano, posso trabalhar sossegado, pensando e escrevendo apenas sobre poesia.

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