São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vencer a corrupção

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Acaba de se realizar em Santiago do Chile, entre 19 e 22 de maio, o encontro latino-americano, organizado pelo Celam, sobre "Probidade e corrupção" no continente. Três cardeais e 21 bispos, unidos a juristas e delegados de 15 países, num total de 80 participantes, reuniram-se para analisar as causas e consequências da corrupção nas esferas pública e privada. Foi elaborado um projeto de lei para combater esse flagelo do qual, infelizmente, não estamos isentos no Brasil.
Constatou-se a semelhança dos fatos que contribuem para deteriorar nossos países. Com efeito, a cultura predominante está marcada por um progressivo individualismo e pelo relativismo moral. Difundem-se a mentalidade consumista, a lógica hegemônica do mercado, a sede do poder, a falta de horizonte ético nas decisões políticas e a sofreguidão em obter bens materiais.
Aos poucos, perde-se o referencial dos valores morais e se aceita, sem mais, que o fim justifica os meios. Vantagens pessoais ou de grupos podem, impunemente, ser obtidas de qualquer modo e sem nenhum constrangimento da parte de quem suborna e de quem recebe os benefícios indevidos.
Diante do anseio doentio de alcançar bens materiais, promoção ou poder, a consciência se ofusca e acaba-se por vender a alma.
Para combater a corrupção e seus efeitos, é preciso reafirmar o compromisso com a verdade, a probidade e os demais valores morais. A criança deve aprender, pelo exemplo dos pais, a ser fiel aos ditames da consciência reta no exercício da liberdade. Trata-se de ensinar, desde cedo, a reconhecer a própria dignidade e a respeitar a dos outros. Quem ama a verdade não se deixa corromper nem prejudicar a ninguém.
Neste ano, mais que em outras ocasiões, somos chamados a celebrar, na próxima quinta-feira, a solene liturgia de Jesus Cristo, que dá sua vida para nos salvar. É a festa do Corpo de Cristo, que por amor se oferece por nós e, feito nosso alimento, fortalece-nos para amar como ele nos ama. Quem recebe o corpo de Cristo na Eucaristia assume o compromisso de se dedicar ao próximo.
Assim, a festa do Corpo de Cristo leva o discípulo a fazer do dom de si ao próximo a regra de sua própria vida. Esse é o melhor antídoto contra a tentação de ceder ao suborno e à corrupção. Quem aprende a renunciar a privilégios e benefícios pessoais, mesmo lícitos, para realizar a solidariedade será incapaz de enriquecer por meios ilícitos.
Para vencer a corrupção, procuremos recordar tantos discípulos de Cristo que, longe de qualquer vantagem material, vivem a eucaristia pelo dom generoso de si. Celebrar a festa do Corpo de Cristo é deixar-se atrair livremente pelo dom de si aos outros, que se manifesta desde os gestos mais simples de doação em família, entre pais e filhos, até as situações heróicas da irmã agostiniana Cleusa Coelho e do irmão jesuíta Vicente Cañas, assassinados por se dedicarem à defesa dos índios.
A mesma entrega viveu padre Josimo Tavares, que tombou por solidarizar-se com os camponeses em Tocantinópolis. Lembremo-nos de irmã Dulce, madre Teresa e tantos consagrados aos doentes terminais.
Ofereçamos a Deus -com as mãos limpas- o sacrifício agradável, encontrando forças com a graça divina para resistir a toda corrupção e contribuir, por nossas atitudes, na construção de uma sociedade transparente, solidária e fraterna.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

Texto Anterior: Ainda "O Corvo"
Próximo Texto: Golpe para impedir a modernização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.