São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Déficit externo deverá restringir o crescimento no ano da reeleição

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Dez de cada dez personalidades, do governo ou de fora dele, concordam com a avaliação de que "as contas externas podem eventualmente criar um constrangimento ao crescimento econômico", como diz o ministro do Planejamento, Antônio Kandir. Mas aí termina o consenso em torno desse cruzamento, que se transformou no maior problema do Plano Real, como mostram dois dados anunciados na quinta-feira.
Numa ponta, o governo impôs restrições ao parcelamento dos gastos com cartões de crédito internacionais, mostrando que a preocupação com as contas externas ganha mais ênfase.
Na outra ponta, o IBGE previu que a economia brasileira crescerá, em 1997, no máximo 3%, praticamente o mesmo que em 1996 e menos do que é necessário.
Para quem está fora do governo, "o déficit em conta corrente é absolutamente mortal. Pode ser financiado um ou dois anos, mas vai ficando cada vez mais difícil fazê-lo", diz, por exemplo, o deputado Delfim Netto (PPB-SP), ex-ministro da Fazenda.
Como todos concordam que o nó das contas externas não será desatado a curto prazo, é razoável supor que o déficit continuará restringindo a expansão econômica no próximo ano, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso tentará a reeleição.
Conta corrente é o resultado da balança comercial (exportações menos importações), da balança de serviços (diferença entre o que país envia e recebe em serviços como transportes, seguros etc.) e das transferências unilaterais (dinheiro que é enviado ou recebido do exterior, de forma espontânea).
No primeiro quadrimestre, o déficit externo do Brasil foi de US$ 10,7 bilhões, mais do que o dobro de idêntico período de 1996.
Gustavo Franco, da Área Externa do Banco Central, não se impressiona com déficits. "Faz bem ter crédito. Permite um nível de investimento maior do que se poderia ter apenas com poupança interna. É normal e saudável que o país tenha déficit em conta corrente."
É claro que Franco concorda que não convém abusar do crédito. "Temos que usá-lo com moderação, como bebida alcoólica", diz.
No setor privado, há quem ache que o Brasil corre o risco de se intoxicar, porque teria que usar a bebida por muito tempo.
Caso de José Guilherme Almeida Reis, chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria: "O problema não é o financiamento para o curto prazo, que existe. Por um ou dois anos, dá, mas dará para cinco anos? Não sei se cinco anos é tempo suficiente para completar a transição e, com as mudanças estruturais, aumentar as exportações."
Kandir aposta que é, sim, tempo suficiente. Aponta medidas pontuais que vêm sendo tomadas pelo governo para estimular exportações e conter importações.
Esgrime números relativos aos primeiros 22 dias de maio para mostrar que o buraco na conta comercial parou de crescer. Houve até lucro, com exportações US$ 6 milhões acima das importações.
"Não é um número de referência para o resto do ano, mas os déficits subsequentes serão menores do que o US$ 1 bilhão mensal que foi a média do primeiro quadrimestre", diz o ministro.
Gustavo Franco vai muito além: usa o que chama de "balança comercial no conceito cambial", para dizer que, em vez de déficit, o Brasil teve superávit (de US$ 9 bilhões) no ano passado.
Balança comercial, recita Franco, é a soma de exportações menos importações mais financiamento das importações. Como a maior parte das importações já vem com financiamento, o déficit é jogado para o futuro.
Nesse futuro, digamos, o ano 2000, o ministro Kandir prevê que o déficit em conta corrente estará em torno de 4% do PIB, número tido como financiável.
Luiz Fernando Furlan, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp, desautoriza o otimismo do ministro: "Em 94, Simonsen ensinou que 2% era o déficit tolerável em transações correntes. Em menos de três anos, já estamos achando 4% toleráveis. Será que o Brasil mudou tanto assim?"
Seja qual for a resposta, as dificuldades das contas externas recolocaram na agenda o tema da sobrevalorização do real, calculada em 25% por Rudiger Dornbusch, economista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Moeda sobrevalorizada dificulta exportações e facilita importações.
Mas mexer no câmbio pode significar também encarecimento dos importados (e, consequentemente, puxar para cima a inflação), além de quebrar quem se endividou em dólares.
Por isso, o tema virou tabu até que, na semana passada, o empresário Antônio Ermírio de Moraes (grupo Votorantim) ousou defender uma desvalorização do real.
"É ridículo achar que um país que está saindo de duas hiperinflações não cresce por causa da política cambial", diz Gustavo Franco.
Devolve Delfim Netto: "É uma idéia idiota essa de que mexer no câmbio significa a volta da inflação. Nos EUA, Itália e Reino Unido, houve depreciações cambiais e nem por isso a inflação voltou".
Contemporiza Almeida Reis (CNI): "Mexer no câmbio é complicadíssimo. Se o dólar subir 10%, talvez seja muito pouco, mas criará expectativas de que novas mexidas virão. Adiar uma decisão é correto no momento".

LEIA MAIS sobre o nó cambial nas págs. 2-4 a 2-13, 2-15 e 2-16

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