São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Os multimídias

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Atualmente qualquer um que se apresente em um ou mais game-shows e consiga descobrir qual é a musica ou consiga a façanha de fazer o lado esquerdo do cérebro trabalhar ao lado do direito (e com isso fazer teatro e TV ao mesmo tempo) é chamado de multimídia.
"Fulano de tal escreve, dirige e interpreta... ele é multimídia". Ou pior: "O multimídia cicrano, além do seu programa de esportes radicais também namora e responde as cartas dos fãs". "A multimídia beltrana não acha tempo para tudo: além de virar sex-symbol aos 60, ainda posa para revista, canta, pinta, borda, chuleia e caseia."
Por Deus. Em terra de Carla Perez, Gretchen é Prêmio Nobel. Cissa Guimarães, que apresenta o "Video Show", adora chamar qualquer pessoa que tenha feito um bolo de fubá e um casadinho de camarão ao mesmo tempo, de multimídia. Até Cláudia Raia.
Embora tenhamos que concordar que a gravidez da mesma foi multimídia: cada chutinho, cada roupinha comprada, cada sapatinho ganho, cada movimento da "mommy to be", tudo foi devidamente documentado por todos os meios de comunicação possíveis à exaustão. Parecia que uma câmera ficava 24 horas de plantão para que não se perdesse as primeiras contrações.
Parem as máquinas!!! Estourou a bolsa!!!
Muita responsabilidade para uma criança antes mesmo de nascer. E quanta publicidade grátis para uma "multimídia" fora de cena. Hora certa para ter um filho. Joan Crawford deve ter se revirado no caixão.
Acho que vou engravidar também. Sendo homem, fatalmente terei uma completa e extensa cobertura na imprensa. Mas eu não sou "multimídia".
Já Cidinha Campos, sim. Ela era. Apresentava seu "Cidinha Livre", ajudava Hebe Camargo, tinha seu próprio programa de rádio, fazia o "Show do Dia 7", movimentou a mulherada toda com seu espetáculo "Homem Não Entra", e ainda achava tempo para fazer a filha de Otelo Zelloni e Renata Fronzi na "Família Trapo".
Seu irmão no programa, Ricardo Corte Real não fica atrás. Depois do seu Sócrates, abriu o leque e hoje canta com sua banda Juke Box e apresenta o "Supermarket", na Bandeirantes.
Lolita Rodrigues cantava, apresentava o "Almoço com as Estrelas" e o "Clube dos Artistas" e ainda tinha tempo para sofrer em meia dúzia de novelas.
Ary Barroso não só compunha as mais maravilhosas músicas, como ajudou muita gente com seu show de calouros, além de ser o mais bravo defensor do direito autoral.
Bibi Ferreira é um caso à parte: cantora, atriz, apresentadora, ainda achava tempo pra administrar sua própria companhia de teatro, no Brasil e em Portugal, e ainda filmar na Inglaterra. Seu pai, o grande Procópio Ferreira não cantava e nem dançava, mas além do teatro, do cinema e da TV (onde maravilhou o público em "Divinas e Maravilhosas", por exemplo), ainda escrevia, não só suas "Procopiadas" mas também livros. "O Ator Vasques", "A Arte de Fazer Graça e "Como se Faz Rir" deveriam ser leituras obrigatórias -assim como uma foto de Procópio deveria estar pendurada na parede das oficinas mecânicas de atores.
Qualquer monte de músculos anabolizados disposto a ir para a cama com um diretor que se insinue já pode se considerar um ator em ascensão. E, se não convencer o público com sua atuação, não tem problema: lança um disco, fica amigo do chefe e abre uma confecção que rapidinho ele já vira um, como dizer, um multimídia!

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