São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
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Impasses

JOÃO SAYAD

Você está preso na sauna, suando, aflito, tentando abrir a porta que não abre. Pânico, vergonha de gritar, mais força e a porta não abre. De repente a solução: a porta abre para fora e não para dentro. Basta empurrar.
Para resolver grandes impasses, mover montanhas, arrombar portas, às vezes basta respirar com tranquilidade e fazer o contrário do que estava fazendo até agora. Desista de demover a montanha, vá até ela. Não puxe a porta, basta empurrá-la.
Por que a Inglaterra não atende as demandas do IRA? Qual o problema se a Irlanda do Norte não aceita obediência à Coroa Britânica? A Irlanda do Norte tem campos de petróleo, bases navais, pode refazer a Contra Reforma, se associar à Islândia, deixar de falar inglês? O que aconteceria com o IRA se, de repente, a Inglaterra aceitasse todas as suas demandas de independência? E o que aconteceria com a Inglaterra?
Todos os brasileiros têm grande simpatia por Cuba. Cor, sangue, língua, música e até feijão com arroz. O que aconteceria se os Estados Unidos, repentinamente, acabassem com o bloqueio econômico e destinassem uma linha de crédito de R$ 10 bilhões para os cubanos? O Partido Comunista Cubano ameaçaria aos Estados Unidos? A liderança de Fidel ficaria mais forte ou mais fraca?
O que aconteceria com os sem-terra se o governo federal triplicasse o orçamento de desapropriações? Sabemos que o minifúndio é economicamente difícil, que o mercado de terras é desenvolvido, que os sem-terra têm objetivos políticos. E daí? Qual o problema em fazer desapropriações suficientes para atendê-los? A demanda é justa e constitucional. Quanto custa -R$ 6 bilhões ou R$ 8 bilhões? Não vale dizer que não tem dinheiro.
O ministro Bresser na Folha do dia 18/05/97 pede um pensamento novo, livre e solto para entender os novos tempos. Nada de receios sobre as privatizações, reforma administrativa, da previdência etc.
Concordo e sugiro aos reformistas dos novos tempos que não tenham receio de gastar algum dinheiro com as coisas do passado, como os aposentados, o seguro-desemprego e, particularmente, com educação e saúde à moda antiga enquanto a moda nova não for descoberta, algumas estradas ainda estatais, alguns investimentos em saneamento básico, alguma coisa em transporte urbano, outro tanto em financiamento habitacional, sem medo e com generosidade.
Basta alguns segundos de dúvida sobre a importância do déficit público na inflação, olhando os dados do Brasil -déficit crescendo e inflação caindo.
Se não for suficiente, olhe os dados americanos, franceses e ingleses. Não precisa acreditar em nada novo. Basta duvidar um pouco do velho.
Relaxe, entregue, mude de opinião. Não faça força, não aperte nem resista. Tome um pequeno impulso de generosidade e pense de novo.
O ovo de Colombo ficou de pé depois de pequena desobediência à proibição que não existia. Uma pequena desobediência, mas grande gesto de liberdade.

E-mail: jsayad@ibm.net.br

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