São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
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"Homem só dá trabalho e bate na gente"

DANIELA FALCÃO
DA ENVIADA ESPECIAL

Eleneide dos Santos Ferreira, 19, já tem quatro filhos. O mais velho tem 4 anos, e o menor, um mês. Os filhos têm pais diferentes, que, provavelmente, jamais chegarão a conhecê-los.
"Um era de Boa Vista, o outro foi embora faz tempo. Eu não ligo, porque não quero saber de nenhum deles mesmo. Tive minha primeira filha quando tinha 15 anos. Quando meu pai soube que eu estava grávida, ameaçou me bater. Ele ficou com muita raiva e queria que eu me casasse. Perguntou quem era o pai e foi falar com ele para ver se a gente iria viver junto. Mas, logo depois da conversa com meu pai, ele (o rapaz) foi para Boa Vista e não voltou mais. Eu não ligo de ser solteira. Queria ter uma casa para viver com os meus filhos, mas não queria ter marido. Homem só dá trabalho e bate na gente", diz ela.
Eleneide mora com 3 dos 4 filhos -um foi dado para uma tia- na casa dos pais, onde vivem também outros 11 irmãos e um sobrinho.
Ao todo, são 18 pessoas morando em uma casa de madeira que só tem sala, cozinha e um quarto. Na hora de dormir, a família estende redes por todos os espaços vagos.
Durante o dia, as redes ficam penduradas no teto -o que dá a impressão de que a casa é ainda menor e mais abafada.
Como a maioria das meninas mães de Iracema, Eleneide é solteira e nunca usou métodos contraceptivos. "Só usei camisinha uma vez e achei muito ruim, desisti." Ela também descarta o uso da pílula: "Dá muito trabalho, e já ouvi dizer que quem toma fica com problema no útero."
Eliete, irmã de Eleneide, segue o mesmo caminho. Aos 16, já tem um filho de 9 meses: "Fugi de casa porque meu pai não queria que eu fosse a uma festa. Dormi duas noites na casa de uma amiga antes de ele ir atrás de mim. Eu queria morar com o irmão dessa amiga, mas não deu certo".
Eliete e Eleneide tratam os filhos como se fossem os irmãos caçulas, de quem também têm de cuidar.
As duas irmãs nem mesmo tiveram vontade de escolher os nomes dos filhos. Quem escolheu os nomes de três filhos de Eleneide (Ellen Cássia, Cassiele e Marques) foi uma irmã mais velha que não mora mais na casa.
Ela não sabe como chamará o filho de um mês nem demonstra se preocupar com isso.
(DF)

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