São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
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Conflitos e o neobobismo

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A psicologia social cunhou uma teoria chamada dissonância cognitiva, que trata de explicar como resolvemos os conflitos que surgem em nossas mentes -pelo menos nas deles, americanos- quando nossas ações contrariam o que acreditamos.
Diz a teoria que, quando agimos de maneira oposta às convicções que temos da nossa auto-imagem, o resultado é um conflito que prejudica a nossa auto-estima. Como ninguém -e nessa, brasileiro também entra- gosta de ter sua auto-estima rebaixada (talvez com a exceção daqueles masoquistas que gostam de levar surra de relho e ser algemado, mas estamos falando aqui de pessoas supostamente normais), agimos rapidamente para acabar com esse conflito. A maneira como o resolvemos é mudando a nossa crença, já que a ação que gerou o conflito é fato consumado e imutável. Fizeram uma experiência para mostrar esse fenômeno. Separaram um grupo de pessoas em dois subgrupos. Os dois tinham a mesma função: fazer propaganda de um candidato no qual eles na verdade não acreditavam. Para um grupo, foi dada uma quantia considerável de dinheiro como recompensa. Ao outro deram uns dois dólares, quase nada. A pergunta: no final da atividade, qual dos grupos apoiaria verdadeiramente o candidato?
A experiência mostrou que quem realmente acreditava nas propostas do candidato em questão eram os quem não haviam recebido quase nada. A justificativa é que aqueles que receberam muito dinheiro encararam aquilo como um trabalho e não tiveram nenhum drama de consciência -por isso não precisaram mudar nada em seu comportamento. Começaram neutros em relação ao candidato e terminaram da mesma forma.
O outro grupo, contudo, não podia encarar aquilo como um trabalho porque ganhavam uma "merreca". Então, eles se viam fazendo propaganda para alguém que não apoiavam, e tinha de haver alguma justificativa para aquele comportamento problemático. A solução foi passar a apreciar o candidato, já que aí não haveria conflito em apoiá-lo sem receber (quase) nada. Foi tentando estender essa teoria ao Brasil, que me dei conta, mais uma vez, que ou a psicologia está muito falha ou o Brasil é que já está tão maluco que nem a psicologia mais o explica. Porque, no Brasil, o superego já foi pelo ralo. O que causa conflito é dizer uma coisa e fazer a mesma, não o contrário.
Brasileiro deve ficar com drama de consciência é de dizer a verdade. Até porque a vida no Brasil fica insustentável se as pessoas começarem a agir coerentemente.
Em qualquer lugar do mundo, presidente que foi "impichado" por corrupção iria sair do país incógnito, trocar de identidade e abandonar tudo pra morar em algum lugar inóspito. No caso do Brasil, ele vai pra Miami, compra casa luxuosa e nem ao menos aproveita pra dar um fora naquele "jacu" chamado Rosane. E ainda dá entrevista na TV, "duela a quien duela". A lista de excentricidades é infinita e serve pra mostrar que anda mesmo difícil enquadrar o Brasil na categoria "Freud explica". Talvez alguém até entenda isso aqui, mas acho difícil que alguém consiga explicar.
Você pode estar pensando que as incongruências são só de políticos, mas veja essa: uma pesquisa recente mostrou que a esmagadora maioria dos brasileiros acredita piamente na idéia de céu depois da morte. Só uma minoria insignificante, porém, acredita no inferno. O que, de certa forma, é uma ratificação popular da noção de impunidade: se fizer certo, leva recompensa. Mas, se fizer errado, não há problema, não, dá-se um jeitinho e se acaba com essa história de inferno, que é muito sem graça.
O que nos leva a perguntar onde é que devem parar aqueles mentirosos, falsos, que dizem uma coisa e fazem outra. Talvez na Presidência da República, mas é só uma hipótese. O certo é que o outro grupo, o pessoal que age com coerência, tem de ir pra cadeia, porque deve ser comuna infiltrado. Ou neobobo, o que dá na mesma.

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