São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cimino parte em busca de fantasmas ancestrais

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPECIAIS

Com exceção do "cavaleiro solitário" Clint Eastwood, ninguém no cinema americano parece mais acreditar no passado.
Em seu último filme -inédito nos cinemas brasileiros e agora lançado em vídeo-, o diretor Michael Cimino mergulha nas cinzas para trazer de volta a força dos mitos ancestrais da América.
Em "Na Trilha do Sol" ("Sunchaser"), Cimino não repete a megalomania de reconstituir o passado -como fizera em "O Portal do Paraíso".
O passado aqui foi reduzido a fantasma, trauma, ruína irrecuperável ou lenda de um povo primitivo. Seus heróis não passam de vítimas de uma civilização triunfante.
Um deles, o dr. Reynolds, é um médico bem-sucedido que vive em Los Angeles, pilota uma Ferrari e é obcecado pela idéia de saúde perfeita. Sua vida certinha vai ser subvertida quando se torna refém de um paciente assassino.
O outro é Blue, um descendente de índios navajo preso por assassinato do padrasto. Blue é o paciente terminal que rapta o médico e parte em busca de um lago de águas miraculosas capaz de curá-lo.
A partir deste "plot", Cimino aprofunda em níveis crescentes as oposições entre a racionalidade da civilização moderna e os resíduos das crenças ancestrais.
Uma cena magnífica exemplifica esse confronto. Durante a fuga, os dois personagens pegam carona num furgão pilotado por uma astróloga -Anne Bancroft, numa ponta que valeria um Oscar. Em meio a uma intensa discussão, Reynolds arrogantemente se posiciona como doutor.
A astróloga retruca bradando seu PhD. Enquanto Blue, sem saber onde se ancorar, brande seu revólver.
Sob a mira de Blue, Reynolds abandona aos poucos sua adesão ao mundo "wasp" (branco, anglo-saxão e protestante) e atravessa a perigosa fronteira que separa o dentro e o fora da lei.
Esta passagem só se torna possível quando os personagens alcançam o espaço da natureza bruta. Numa alusão aos grandes épicos de John Ford, Cimino encena seu duelo nas grandes paisagens de Monument Valley.
É aí que Cimino mostra seus maiores talentos. Enquanto narra as peripécias de um fugitivo e seu refém, "Na Trilha do Sol" poderia ser apenas um bom thriller. Quando reencontra a natureza, o filme de Cimino se converte numa fábula metafísica.
Ali, os argumentos da civilização perdem seus efeitos e os personagens mergulham numa extraordinária experiência das origens.
Pena que essa exuberância não caiba numa tela de TV.

Filme: Na Trilha do Sol
Direção: Michael Cimino
Elenco: Woody Harrelson, John Seda, Anne Bancroft
Lançamento: Warner (tel. 011/820-6777)

Texto Anterior: Filme procura justiça negada
Próximo Texto: Fuga de Los Angeles
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.