São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
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Julho em Hong Kong, partida para o século 21

FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA

No dia 1º de julho, Hong Kong passa para as mãos da China. É um grande acontecimento deste fim de século, com grandes repercussões para o futuro do planeta.
Os hotéis já estão com a lotação esgotada. Quem quiser, como eu, acompanhar a passagem de Hong Kong para a China, terá de se hospedar em Macau e enfrentar uma curta viagem de barco.
Daqui posso entender que os hotéis estejam cheios.
Há pouco espaço em Hong Kong, os imóveis são caríssimos e imagino que os chineses também estejam se deslocando em massa, para os negócios e para a própria administração.
Uma das questões que me levam a Hong Kong: até que ponto a China vai se relacionar bem com uma população de 6 milhões de habitantes que foi em massa para as ruas protestar contra a repressão na praça da Paz Celestial? Calcula-se em 1 milhão de pessoas o número de manifestantes naquela época. Um em seis habitantes de Hong Kong teve um gesto ativo de oposição ao governo chinês.
Uma segunda questão: até que ponto as relações entre China e Estados Unidos vão se deteriorar no princípio do século? Teóricos norte-americanos têm insistido nisso. De Samuel Huntington a jornalistas que viveram em Pequim, fala-se no emergente perigo chinês. Acho até que ficou um pouco na moda essa discussão nos Estados Unidos, se é que posso concluir algo sobre os norte-americanos tão a distância.
Pode ser apenas uma dose de paranóia necessária. O país da livre competição só consegue avançar quando inventa um rival e fantasia o inimigo que pode vir a derrotá-lo.
Uma terceira questão no caderno de viagem: como se relacionarão empresas chinesas e os grupos capitalistas de Hong Kong?
Os chineses já estão presentes na economia. Suas empresas são dirigidas pelos filhos dos dirigentes comunistas. A diferença é que, de julho em diante, vão estar na administração e na economia simultaneamente. Teme-se que usem o que se chama no turfe de "informações de cocheira" e, no capitalismo, "insider information".
Todos esses desdobramentos e muitos outros estão no ar, daí a grande curiosidade em torno da passagem de Hong Kong. O mais importante deles, creio eu, será o futuro das relações China-Estados Unidos.
Os norte-americanos têm se declarado pelos direitos humanos e pela democracia na Ásia. A China considera intromissão em seus assuntos internos essa conversa de garantir liberdade política e de imprensa.
A pressão que constato nos debates norte-americanos, em que as salas ficam cheias com o tema do choque de civilizações, indica que Clinton, ou qualquer outro que esteja no poder, será cobrado se Hong Kong for submergida pela burocracia comunista.
A passagem de Hong Kong está marcada para julho de 1997, apesar de tantos terem escrito, antes de ela acontecer, sobre o fim da história.
Pois vai acontecer ali um lance histórico que merecia um pouco de atenção dos que não acreditam em fim da história ou mesmo dos que não se interessam por ela.
Basta mencionar uma última questão: que repercussões terá dentro da China a entrega de Hong Kong, até que ponto favorece o desenvolvimento de uma oposição cosmopolita, até que ponto o envolvimento maior do PC em grandes negócios internacionais pode mudar a natureza de suas idéias?
Julho em Hong Kong. Espero ter uma chance de perguntar e responder essas questões.

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