São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 1997
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A falta do discurso presidencial

LUÍS NASSIF
DO PRESIDENTE, ESPERAM-SE DUAS TAREFAS BÁSICAS.

A primeira, a costura política, a constituição de base parlamentar de apoio ao seu governo. Nessa área, conseguiu montagem quase única na história do país, apesar da nódoa apresentada pelo episódio da compra de votos.
A segunda tarefa é a costura pública, a capacidade de identificar as prioridades nacionais, apontar o norte e mobilizar as energias nacionais na direção proposta.
Aí o presidente escorrega. Não adianta perguntar ao espelho, espelho meu, se quem foi maior, Juscelino ou eu. Juscelino era um irresponsável crônico em questões macroeconômicas, mas um propagandista extraordinário da bandeira do desenvolvimento.
Caos na comunicação
No ano passado, o ministro do Planejamento da Venezuela conseguiu empolgar a nação definindo claramente as reformas necessárias para superar a crise, identificando de maneira didática relações de causa e efeito, e permitindo pelo público o acompanhamento passo a passo da ação de governo, por meio de balanços trimestrais -divulgados nacionalmente por intermédio de panfletos, onde exibe metas e resultados.
É um sistema simples e eficiente, que permite ao cidadão comum entender onde o país está e para onde caminha. Indaguei quem tinha sugerido essa idéia. Resposta: Edmar Bacha e Pérsio Arida.
A realidade brasileira é mais complexa, mas não a ponto de prescindir de semelhante instrumento. Sem ele, todo o processo de recuperação nacional fica difuso, dando margem a esses movimentos pendulares.
Há série de ações começando a render fruto. De vez em quando, alguma alma piedosa junta as ações e expõe na imprensa. Imediatamente, levanta o moral nacional.
Passa algum tempo, não há memória que retenha o conjunto de obras, nem informações que permitam o acompanhamento do que está sendo feito. Perde-se novamente a noção de conjunto e julga-se que o país parou.
Tendo esse documento básico e um diagnóstico preciso, será fácil ao governo identificar dois ou três temas eficazes, para transformar em bandeiras nacionais.
Novas bandeiras
Há duas ameaças flagrantes no país. A questão das contas correntes (ligada à competitividade das empresas nacionais) e o déficit público.
Para a questão da competitividade, o presidente teria a desfraldar a bandeira da qualidade. Trata-se de um ferramental que tem conquistado cada vez mais adesões -no serviço público e nas empresas-, tem criado uma mística de sobrevivência na globalização, mas ainda é exercitado em ambientes restritos. Só irá se transformar em bandeira nacional quando o presidente entender seu alcance e empalmar o tema.
A segunda bandeira é a do comércio exterior. Nos anos 70, o salto nas exportações brasileiras foi conquistado por dezenas de jovens "traders" que colocaram sua maleta debaixo do braço e foram vender produtos brasileiros ao mundo.
É evidente que havia vantagens financeiras expressivas -a começar de uma política cambial e financeira vantajosa. Mas havia a mística dos Marcos Polos nativos, cantados em prosa e verso pelas revistas e jornais.
O presidente tem enfatizado que cabe à nação resolver seus próprios problemas. Está coberto de razão. Mas cabe a ele vocalizar esse discurso de maneira mais eficiente e ser o grande propagandista das novas idéias, antes que o estrangulamento das contas externas acabe com o sonho nacional.

Email: lnassif@uol.com.br

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