São Paulo, quarta-feira, 28 de maio de 1997
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Gênio tornou-se impressionista de mercado

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Claude Monet (1840-1926) foi de início um dos gênios inovadores do impressionismo. Concebeu e retratou a natureza com um olhar inédito. É algo consensual.
Mas sua imagem é para muitos nebulosa nos 20 últimos anos de sua vida ou antes disso. Tornou-se um artista pautado pelo mercado, um impressionista tardio que desembarcou da vanguarda para se repetir indefinidamente.
O primeiro Monet é o autor de "Impressões ao Sol Nascente" (1872), que deu o nome à corrente estética de que também fizeram parte Cézanne, Degas, Morisot, Pissarro, Renoir e Sisley. Van Gogh e Gauguin viriam depois.
O segundo Monet começou a surgir em 1895, quando o marchand norte-americano R. Austin Robertson o convidou para expor em Nova York. A exposição foi co-patrocinada por um outro marchand, James Fountain Sutton, que chegou a possuir 120 telas do pintor francês.
Robertson e Sutton eram donos da empresa American Art Association. Sabiam que, naquele final de século 19, alguns norte-americanos acumulavam fortunas e interessavam-se por artes.
A astúcia deles consistiu, então, em adequar a oferta à demanda. Qualquer novo rico poderia colecionar Monet. O casal Bertha e Potter Palmer, de Chicago, comprou 33 telas entre 1891 e 1893. Era chique e um bom investimento.
Caberia indagar o que levou essa geração de colecionadores a não buscar, tão intensamente, outras assinaturas do impressionismo.
A resposta mais verossímil é a seguinte: quem quisesse, por exemplo, comprar uma das 817 telas hoje autenticamente atribuídas a Van Gogh deveria entrar no mercado (já inflacionado) dos artistas mortos. Van Gogh suicidou-se em 1890. Foi o segundo -depois de Edouard Manet, em 1883- impressionista a morrer.
Monet foi o último. Sobreviveu 23 anos a Pissarro e a Gauguin, 20 anos a Cézanne e sete anos a Renoir. Involuntariamente, enterrou seus companheiros de vanguarda e acabou sozinho no mercado.
Não haveria nisso nenhum "pecado", caso Monet refletisse a rápida evolução das artes plásticas naquele início de século 20 ou, ao menos, desse passos paralelos aos das tendências que foram substituindo aquela da qual participou.
Mas um suposto Monet art-nouveau (corrente surgida em 1895) seria um produto paradoxal. Não satisfaria a demanda de um público que queria dele só o impressionismo, que já se tornara uma estética conservadora, de um establishment bem-pensante.
Em 1909, Picabia pintou o primeiro quadro abstracionista. O cubismo veio em 1908, com Braque. Em 1916, surgiu o dadaísmo. E, dois antes de sua morte, Monet poderia ter conhecido o surrealismo de Ernst, Miró e De Chirico.
Monet morreu rico. Foi uma das formas de consagração de alguém que -sem segundas intenções mercantis conhecidas- envelheceu como um artista conservador.
Pablo Picasso (1881-1973) também morreu milionário. Deixou um patrimônio de US$ 1,2 bilhão. Pintou ao todo 13.500 telas. Mas cresceu com o tempo. Não estacionou no figurativismo da chamada fase azul (1904-1906), com o qual começou a ganhar dinheiro.
Monet pintou cerca de 2.000 telas e 600 esboços ou pastéis. A obsessiva repetição de certos temas -a Catedral de Rouen, as ninféias- merece, como moral de sua história, duas leituras.
A primeira: tratou-se da experimentação contínua em torno de mesmos objetos, com variações de luminosidade e atmosfera. A segunda: foi a repetição do institucionalmente consagrado. Daquilo que o mercado gosta. E compra.

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