São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 1997
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Especialistas condenam quebra de sigilo

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o Ministério da Fazenda tivesse consultado especialistas em legislação, não teria editado a portaria nº 106, exigindo que os bancos enviem à Receita Federal informações trimestrais sobre as contas correntes dos clientes e a respectiva CPMF.
Para cinco especialistas no assunto ouvidos pela Folha, a Fazenda editou uma portaria inconstitucional, que, na prática, quebra o sigilo bancário do contribuinte, uma vez que o banco terá de fornecer o valor global das operações mensais sujeitas à contribuição.
A Receita diz que, conforme o artigo 3º da portaria, resguardará o sigilo das informações prestadas. Para os especialistas, nada indica que a Receita vá, efetivamente, usar os dados apenas para saber se os bancos estão recolhendo corretamente a CPMF.
Para Ives Gandra da Silva Martins, professor de direito da Universidade Mackenzie, a portaria fere o inciso XII do artigo 5º da Constituição, que garante o sigilo dos dados.
Para Gandra Martins, a Receita poderá, no futuro, notificar o contribuinte para prestar contas. Se houver recusa, a Receita poderá pedir a quebra do sigilo pela via judicial. "Será um enorme poder na mão da Receita."
Além de inconstitucional, o professor diz que a quebra do sigilo dessa forma é imoral. É que, se tiver em mãos um dado que comprove sonegação e não fizer nada, a Receita não estará cumprindo seu papel de agente arrecadador.
Por todos esses motivos, Gandra Martins vê apenas aspectos negativos na portaria. Mas, apesar disso, ele prevê que poucos irão contestá-la. "Quem não deve, não fará nada; quem tem algo a esconder do fisco, vai aguardar o futuro."
Caça às bruxas
O advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, conselheiro da OAB-SP, diz que a partir do momento em que os dados estiverem em poder da Receita, não haverá mais controle sobre a finalidade de seu uso.
Ele concorda com o professor Gandra Martins. Com os dados, a Receita pode pedir a quebra do sigilo na Justiça. Com isso, "legalizaria um expediente à margem da lei. Pode ser um caça às bruxas".
D'Urso diz que isso pode colocar em risco o sistema. "Aberta uma exceção, isso abalará o sistema."
Para Celso Bastos, professor de direito constitucional da PUC-SP, a portaria seria legítima como método de fiscalização. Entretanto, como a CPMF "tem a característica infeliz de incidir sobre as operações financeiras, somente tendo acesso às contas das pessoas é que a Receita poderá fiscalizar sua arrecadação".
Para Bastos, não importa a intenção do fisco. O simples fato de exigir os dados significa intromissão na intimidade das pessoas. "Isso já é suficiente para caracterizar a inconstitucionalidade da portaria."
O professor diz que não compensa, individualmente, recorrer à Justiça. O melhor seriam ações coletivas na Justiça, impetradas por associações com poder para representar parcelas significativas de contribuintes, afirma.
Argumento falso
Para Fábio Konder Comparato, professor de direito da USP, a portaria deixa os contribuintes em situação difícil. É que, para recorrer à Justiça, significa arcar com o ônus econômico da decisão.
Por outro lado, quem recorrer dará a entender que "está com medo do fisco". Assim, ele entende que o melhor seria o Ministério Público entrar com uma ação em benefício de todos.
O advogado Walter Ceneviva critica, de início, o fato de o governo baixar uma medida com essa finalidade por meio de portaria. "O uso de portaria é absolutamente irregular, pois ela não se presta a esse tipo de regulamentação."
Para Ceneviva, o argumento do governo -de que só quer o total movimentado em cada conta para saber se a CPMF está sendo recolhida corretamente- é absolutamente falso. "É uma violação da privacidade, pois o quanto cada um emite em cheque é problema dele e do banco."
O advogado entende que a Receita Federal não precisava de mais esse mecanismo, pois ela já dispõe de outros para saber quem sonega ou não. No final das contas, diz Ceneviva, "os inocentes vão acabar pagando pelos pecadores".

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