São Paulo, sábado, 31 de maio de 1997
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Contraste é infidelidade, não poligamia

MATINAS SUZUKI JR.
DO CONSELHO EDITORIAL

A quebra da monogamia tem implicações morais. O seu oposto não é apenas uma outra vida sexual, a que permite a poligamia, mas também uma questão moral e religiosa.
Lemos no 10º aforismo (eu quase dizia mandamento...) de Phillips: "Na verdade, contrastamos a monogamia não com a bigamia ou com a poligamia, mas com a infidelidade, porque se trata de nossa religião secular".
Talvez a mais difícil das éticas seja a ética da vida amorosa, e a questão da monogamia, hoje, é uma questão ética em campo minado.
Em 1938, quando escrevia o seu clássico "O Amor e o Ocidente", Denis de Rougemont via duas formas de fidelidade: a fidelidade construída lentamente, "não conformista", na contra-corrente dos apelos à infidelidade da vida mundana, uma espécie de "virtude do absurdo", e a fidelidade da paixão absoluta que, para não correr o risco de ser quebrada, precisa levar à morte (Tristão não ama Isolda, mas o amor mesmo e, além dele, a morte; trata-se de um amor sem retorno para a vida, o outro precisa deixar de existir para eu deixar de sofrer).
Rougemont reconhecia que os homens de sua época tinham a fidelidade como a mais desvantajosa das virtudes para a felicidade.
As décadas seguintes, com a revolução sexual e do comportamento, com a liberação da mulher, com os movimentos gays, com o questionamento dos valores familiares e religiosos, com o crescimento do individualismo e da mediação do mercado, com o divórcio, com o acasalamento informal, a monogamia foi abalada, mas também, paradoxalmente, acabou sendo reforçada, ainda que simbolicamente, na medida em que a poligamia não se tornou ideologicamente hegemônica -e tenha acarretado tantos grilos e tantos conflitos quanto a monogamia.
A questão da monogamia (e da fidelidade) está presente não só no caso amoroso, na vida e na morte, como nas transformações (Phillips: "Infidelidade é a outra palavra que temos para designar 'mudança"'), na linguagem ("a
infidelidade é o medo da linguagem") e em tantas outras coisas.
Adam Phillips diz que ela está em quase tudo e, ressalvando os temas que dizem respeito à sobrevivência, que é a única questão filosófica séria do nosso tempo.
Os 121 aforismos de Phillips, nos usos mais elevados, interessarão aos dois lados, monogamistas e poligamistas, porque ambos olham com curiosidade (ainda que seja mesmo mera curiosidade) para o outro lado da fronteira. Nos usos mais baixos, poderão servir para lustrar uma conversa cuja única finalidade vinha sendo levar ao adultério.
Por fim, não deixa de ser curioso que um livro sobre monogamia seja escrito por alguém chamado Adão. Foi aí que tudo começou.
(MSJ)

Livro: Monogamia
Autor: Adam Phillips
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 17 (129 págs.)

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