São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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O câmbio e a barriga

ALOIZIO MERCADANTE

O governo continua flertando com o perigo e expondo o país ao risco cambial. As estimativas de déficit de transações correntes, mantido o cenário atual, superam os US$ 33 bilhões e chegam a US$ 40 bilhões. O país vem perdendo reservas. E o rumo da política econômica caminha inexoravelmente para uma linha de defesa das reservas cambiais.
As primeiras medidas para amenizar este cenário foram as restrições sobre o financiamento das importações em março, a redução do IOF para entrada de capitais, aumento do IOF sobre o crédito ao consumidor de 6% para 15% e a interrupção nas quedas das taxas de juros. Mas são insuficientes e novas medidas deverão ser tomadas.
A primeira hipotética possibilidade é um ajuste fiscal profundo, que reverta o déficit operacional, com um volume próximo a 6% do PIB. Aumenta a poupança doméstica, diminui a pressão sobre a pauta de importações e restringe a "absorção doméstica".
Uma trombada de grandes proporções com a base de sustentação do governo: empresários e eleitores que não querem ouvir falar em aumento de impostos, e governadores, deputados e prefeitos que querem verbas para votar e disputar a reeleição.
Nem o FEF está assegurado no Congresso, porque muitos Estados e municípios já estão no seu limite. Essa perspectiva leva tempo e terá certamente um impacto recessivo sobre o já medíocre nível de atividade econômica e pouco provável em ano eleitoral.
A segunda possibilidade de atuação poderia ser um ajuste no câmbio. Como escreveu Edmar Bacha (BNDES, 1995), "como demonstra a recente crise mexicana, faz-se necessária uma avaliação contínua do nível da taxa de câmbio, a fim de garantir que esta não leve o país a acumular um déficit em conta corrente superior àquele capaz de ser financiado confortavelmente pela entrada de capitais de longo prazo". E "confortavelmente" não estamos há algum tempo. Portanto, pelo menos para o setor mais pragmático da equipe essa possibilidade está colocada.
Em 1995, sob o comando de Pérsio Arida, o governo saiu da âncora nominal fixa para o regime de bandas com âncora real fixa, com um custo econômico elevado. A crise bancária que a inadimplência agravou foi estimulada pela subida violenta nas taxas de juros. Parte desse custo é a conta do Proer, de R$ 21 bilhões até o momento.
Hoje, a margem de manobra é menor. O setor privado está violentamente endividado em dólares. É verdade que muitas empresas já fizeram hedge em títulos públicos indexados no câmbio. Por isso mesmo, o impacto fiscal será significativo e parte do setor privado ficará exposto patrimonialmente ao ajuste, além da pressão de custos dos importados sobre a inflação. Muito provavelmente, um custo superior ao de 1995.
É evidente que esse ajuste na taxa de câmbio não poderá ser efetivado lentamente no interior de uma banda alargada porque sinalizará uma reindexação. É de uma vez só e num patamar que o mercado não tenha dúvidas de que não se repetirá.
A terceira alternativa é empurrar com a barriga, fazer de conta que está tudo bem e torcer para que esse cenário internacional extremamente favorável se mantenha. O que permite esse precário equilíbrio macroeconômico é também a qualidade do patrimônio público a ser leiloado. A Vale do Rio Doce, a maior empresa exportadora do país, com o terceiro faturamento nacional, com um lucro líquido de R$ 632 milhões, conseguiu abater 1,59% da dívida pública mobiliária. Haja patrimônio, para empurrar com a barriga!
Enquanto isso vamos nos transformando no maior importador de algodão, além de importadores de cacau, arroz, coco e da destruição de parte da indústria. Como temos alertado desde o início, ainda que em velocidade diferenciada e condições econômicas mais favoráveis, continuamos no mesmo rumo que o México, confortavelmente!

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