São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Marx fora da sala

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A seguir, Schwarz fala de sua formação intelectual, desde os tempos de colégio em São Paulo até o ambiente da faculdade de ciências sociais da USP em meados dos anos 50, onde o esforço científico ia de mãos dadas com a valorização inédita de temas populares da cultura brasileira.
Nessa época, Marx, a grande influência do crítico, não era assunto das aulas.
*
Folha - O sr. nasceu na Áustria e veio para cá muito cedo. A sua curiosidade pelas coisas brasileiras, que é certamente um traço forte da geração de intelectuais a que o sr. pertence, vem desde os seus primeiros anos de formação?
Schwarz - Eu entrei na faculdade, em 1957, para estudar ciências sociais. Foi um banho de Brasil. Os colegas do interior, de todas as classes, com toda ordem de preocupações -tudo isso foi para mim uma revelação. Eu sou de família austríaca, judia, de esquerda, que chegou ao Brasil um pouquinho antes de começar a Segunda Guerra. Eu não tinha um ano de idade. Como é natural, uma família assim, como a minha, costuma ser bastante isolada das realidades do país.
Eu fiz o secundário numa escola de classe média, em que a ambição geral era ter pouco a ver com os aspectos mais especiais da sociedade brasileira. Por essas razões todas, a faculdade foi para mim uma entrada mais regular no Brasil, em parte também pela presença maior da política, do engajamento político de muitos colegas.
O curso de ciências sociais da USP, na época, era muito bom. Na faculdade, havia a divisão entre os cursos que estavam vivos e os que estavam mortos. O de ciências sociais era um curso vivo. Isso queria dizer que tinha contato com o debate intelectual internacional e que tinha algo a dizer sobre o próprio país. Hoje, vendo de longe, uma das coisas notáveis é que se sentia muito, por parte dos professores, uma ambição científica real. Muitos queriam produzir uma obra que fizesse diferença. Fazia parte desse esforço científico que o resultado, de alguma forma, puxasse para a esquerda. Talvez dizer esquerda seja exagerado, mas que, de qualquer forma, puxasse para o campo democrático.
Como observou Antonio Candido, se estudavam as questões do negro, do caipira, dos caiçaras, a cultura popular, enfim, temas ligados a uma reavaliação democrática da cultura nacional.
O importante é que o clima era de esforço científico; não havia nisso nenhuma demagogia, nenhum populismo. Isso era diferente porque, de maneira geral, ou esses temas não são encarados ou são encarados de maneira sentimental e difícil de sustentar do ponto de vista de uma análise racional.
Outro aspecto interessante da faculdade da época era uma espécie de zum-zum bibliográfico, quanto aos teóricos estrangeiros adotados. Como o curso era imparcial, tomávamos contato com Weber, Durkheim, Parsons, mas não com Marx.
Folha - Mas Marx foi a grande influência teórica da sua geração.
Schwarz - Ele ficava para as conversas de corredor. Os professores tomavam partido de um ou outro teórico, e havia um esforço geral de verificação desses autores a partir do uso que pudesse ser dado a eles no Brasil.
Houve uma espécie de aclimatação, de naturalização dos autores, que era muito interessante. Entre os professores mais jovens, o clima era menos imparcial. Todos esses autores teriam seus méritos, mas o bom mesmo era o Marx, que curiosamente não entrava na sala de aula.

Continua à pág. 5-6

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