São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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Marco Ricca foi estopim

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

O estopim da montagem de "Hamlet" por Ulysses Cruz tem nome: Marco Ricca, 34. Foi o ator que convidou Cruz para dirigi-lo.
"Não quero fazer um 'Hamlet' para mim. Quero alcançar o público. Quando falamos em popularizar a obra, as pessoas pensam que é vulgarizar, mas não é nada disso. Queremos comunicar."
Para ele, quem melhor comunicou Shakespeare no Brasil foi Ulysses Cruz. "Com 'Péricles' e as outras montagens de Shakespeare que fez, Ulysses atingiu isso."
Para Ricca, é impossível sair impune de uma montagem como a de "Hamlet". "Shakespeare tem a propriedade de secar a alma humana. Isso é suicida. Acordo no meio da noite sobressaltado", disse o ator.
Apesar disso, Ricca não se centraliza no personagem. "Não quero fazer personagens, quero fazer obras. 'Hamlet' é inesgotável. É uma obra que não cabe em mim. Ultrapassa o tempo, quanto mais nossas vidinhas mundanas."
Ricca pretende explicitar o que há de engraçado na peça, o que ela tem de ironia. "Isso é o mais difícil de conseguir. Estamos acostumados com o deboche, temos a cultura da chanchada. Mas a ironia é o supra-sumo da inteligência. Debochados somos todos."
Como deixar claro o raciocínio de Hamlet? "Raciocínio para teatro não funciona. Ação funciona. Só que Hamlet é um personagem que não age. Ele não consegue vingar o pai porque é um personagem com uma formação humanística absurda."
Assim, a montagem de Ulysses Cruz é um "Hamlet" de ação. "Tem uma série de imposições, tenho que comer bem, tenho que ter força, fôlego, tenho que diminuir o cigarro. Faço três horas de exercícios por dia: tai chi chuan, kung fu, exercício aeróbico. No meio disso, tenho insônia e tento me resguardar porque a montagem exige muito. Mas não vou deixar passar este momento. Tenho que aproveitar."
Ricca escolheu fazer "Hamlet". Seu personagem, afirma o ator, é astuto. "Ele é bom de raciocínio. Ele não seria rei, seria uma pessoa de teatro. Ele faz um tratado sobre teatro na peça. O pensador é livre, a arte é livre. Hamlet seria um péssimo rei. Os humanistas não são pessoas do poder."
Para Ricca, Shakespeare vai de noveleiro a filósofo. "Suas histórias poderiam ser transformadas em novelas e, ao mesmo tempo, ele é um pensador que transformou e transforma pensamento de uma época. Vasculhar isso é vasculhar a alma humana."
(DR)

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