São Paulo, quinta-feira, 5 de junho de 1997
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Desemprego: fenômeno mundial?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Não há ninguém mais vago, ninguém mais irrelevante, do que o ex-ministro, dizia Nélson Rodrigues, referindo-se (se não me falha a memória) a Roberto Campos. (Pode ser que minha memória esteja falhando.)
É uma generalização injusta, dirá o leitor. Sem dúvida, sem dúvida. Mas lembrei-me da frase outro dia ao ouvir entrevista de um dos nossos numerosos ex-ministros. (Não era o Roberto Campos).
Eis o que dizia o ilustre formador de opinião: "O desemprego é um fenômeno mundial". Segundo ele, não há país que escape a esse flagelo da economia "globalizada".
Trata-se de uma opinião bastante comum, e não só no Brasil. Sempre que conveniente, governos escapistas e seus porta-vozes formais ou informais propagam essa tese, com o intuito de isentar-se de responsabilidade pelo problema.
Escrevo essas linhas e já me assalta uma dúvida: a palavra "opinião" não seria imprópria? Provavelmente. Faça, leitor, um pequeno esforço de introspecção. A rigor, com os instrumentos modernos de comunicação e propaganda, já quase ninguém tem opiniões próprias. As nossas "opiniões" viraram reflexos condicionados. O sujeito imagina que pensa, mas quem pensa mesmo é o jornal, a revista e, sobretudo, a televisão.
Na verdade, a televisão só veio agravar um fenômeno já antigo. É como dizia Nietzsche: "Opinião pública, preguiça privada".
Mas estou me desviando do assunto. Queria era comentar um pouco os dados de desemprego, publicados por organismos multilaterais e revistas especializadas. A tese de que o desemprego é um flagelo mundial não resiste a um exame, mesmo superficial, dessas estatísticas.
Vejam, por exemplo, os dados dos países desenvolvidos, que costumam ser de melhor qualidade e de acesso mais fácil. Salta aos olhos, em primeiro lugar, a enorme discrepância em termos de taxas de desemprego aberto. É verdade que há países com problemas graves, até gravíssimos, de desemprego. Na Espanha, a taxa de desemprego alcança atualmente 21,7%; na França, 12,8%; na Itália, 12,2%; na Alemanha, 11,2%.
Em outros países, entretanto, o desemprego é muito menor. Nos EUA, a taxa é de 4,9%. No Japão, apenas 3,2%. Na Inglaterra, 5,9%.
Não se observa tampouco uma tendência generalizada de aumento do desemprego nas economias mais adiantadas. EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália, por exemplo, vêm registrando significativa diminuição nas taxas de desemprego nos anos recentes.
No mundo desenvolvido, o desemprego em massa é, essencialmente, um problema da Europa continental, decorrente em grande medida da rigidez arbitrária dos critérios de convergência estabelecidos por insistências da Alemanha no Tratado de Maastricht.
Mas, mesmo nessa região, os números diferem enormemente de país para país. Em 1995, de acordo com dados padronizados, publicados pela OCDE, as taxas de desemprego na Europa continental variavam de 4,9% na Noruega a até 22,7% na Espanha.
Na América Latina, os dados são de menor qualidade e abrangência e são menos comparáveis internacionalmente. Feita essa ressalva, as estatísticas dos governos latino-americanos, publicados pela Cepal, também mostram grandes variações de economia para economia. Em 1996, as taxas de desemprego urbano variavam entre 3,5% na Bolívia e 17,2% na Argentina.
A despeito de todo o barulho que se faz a respeito do impacto supostamente inexorável das tendências "globais", o desempenho do mercado de trabalho reflete, no essencial, processos que ocorrem em âmbito nacional, ou no máximo regional, especialmente nas economias maiores. A questão do desemprego, assim como tantas outras, continua a depender fundamentalmente da evolução da economia doméstica e da eficácia das políticas econômicas e sociais.

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