São Paulo, quinta-feira, 5 de junho de 1997
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Enzo Cucchi cria nova paisagem

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A mostra que o Instituto Italiano de Cultura inaugura hoje, para convidados, no espaço cultural do banco Sudameris Brasil, coloca a cidade em contato com a produção gráfica de Enzo Cucchi, um dos mais importantes artistas contemporâneos italianos. São 19 obras, que cobrem o período de 1981 (cinco litografias) a 1996 ("Orecchieta").
Às vésperas da bienal de Veneza, da qual participará, e de mostras em São Paulo, Buenos Aires e Basiléia (Suíça), Cucchi concedeu entrevista por telefone à Folha, de sua casa em Roma. Falou da importância da gravura, de De Chirico e da opção pelas artes plásticas.
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Folha - É possível ter uma idéia clara de sua produção estética apenas com sua produção gráfica?
Enzo Cucchi - É uma parte fundamental, muito importante do meu trabalho. Trabalhei 20 anos com uma relação muito diferente daquela que é considerada "gráfica". Nunca pensei em fazer trabalhos gráficos para multiplicar meu dinheiro ou meu trabalho de uma maneira fácil. Sempre pratiquei a gráfica como uma ilha de liberdade e encontrei em Roma um editor, talvez entre os mais capazes do mundo, Valter Rossi, que ficou espantado que eu quisesse encarar a gráfica daquela forma.
Eu fazia um trabalho gráfico quando não conseguia fazer o mesmo com um desenho ou com outro material. É essa, penso, a aventura espiritual, épica, do trabalho gráfico.
Folha - Você critica uma infiltração da decoração na obra de arte...
Cucchi - Isso sempre ocorreu, em todas as épocas. Falo em decoração quando o signo fica superficial, fraco. Falo isso por paixão e instinto, não para ensinar algo.
Folha - Você se sente à vontade criando cenários para teatro ou ópera? Não é difícil fazer um trabalho artístico a partir de um discurso já estabelecido?
Cucchi - Fiz alguns trabalhos por causa de relações pessoais com outros artistas e disciplinas. Mas não porque me interessa esse tipo de trabalho. Algumas pessoas me pedem, amigavelmente, e, sendo eu um fraco, não consigo dizer não. Mas não acho que sou capaz e nem quero ter essa capacidade.
Folha - A poesia surgiu em sua vida nos anos 70, quando a arte minimalista e conceitual ganhava força. Havia algum tipo de desgosto com os caminhos da arte?
Cucchi - Foram sempre escolhas mais dos outros que minhas. Mesmo com a pintura foi assim. No início não me interessava ser pintor, mas hoje sou responsável por aquilo que faço. Mas hoje nenhum artista pode voltar atrás.
Hoje minha poesia não me diz mais nada. Posso ainda me espantar com ela, mas não é mais meu problema. É como alguém que tem uma experiência com drogas, mas não se droga mais. Isso não lhe interessa mais.
Folha - Grande parte de sua produção gráfica e pictórica transmite uma atmosfera irreal, utópica. Você se sente ligado ao universo metafísico de De Chirico.
Cucchi - O universo metafísico de De Chirico era muito moderno para a sua época. Ele era muito mais moderno que Duchamp, por exemplo. E, naturalmente, era uma coisa muito circunscrita, um acontecimento de caráter regional.
Um artista compreende que se trata de uma grande ironia, muito moderna. Ele falava de Rubens, por exemplo, como um bom artista, mas Rubens é muito decorativo. De Chirico era muito francês. Vinha da filosofia alemã filtrada pela França. Era um homem de cultura. Eu sou um camponês.
Folha - Mas não existe filosofia em seu trabalho?
Cucchi - Existe, mas não em um modo direto, no modo da educação, da boa disciplina, no modo de alguém que foi à escola estudar. Eu nunca estudei filosofia. Eu tinha que trabalhar para comer.
Folha - Você disse que seu trabalho nunca deveria ser descritivo. Isso não é difícil para o espectador que vê um trabalho figurativo?
Cucchi - Não é o caso de pedir alguma coisa. Quando Piero della Francesca pintava as suas madonas, elas eram descritivas porque eram madonas, mas não tinham relação com discursos religiosos ou laicos. Foram as pessoas mais simples que protegeram esses valores fortíssimos. Os intelectuais os teriam destruído.
Folha - O que você apresentará em Buenos Aires neste mês?
Cucchi - Alguns desenhos, mas principalmente pinturas. Eu não produzo muito, e por isso as mostras têm que se adequar. Espero ir até lá, mesmo tendo medo de andar em avião. Gostaria de ir também ao Brasil e ao México. Quero ver qual a possibilidade de levar a mostra da Argentina aos dois países.

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