São Paulo, sexta-feira, 6 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FHC é candidato certo, mas contra quem?

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Quando as lideranças governistas e do Congresso cruzaram anteontem a Praça dos Três Poderes, para entregar ao presidente Fernando Henrique Cardoso o presente representado pela aprovação definitiva da emenda da reeleição, estavam involuntariamente produzindo mais do que um gesto simbólico.
Estavam, na prática, exibindo um instantâneo da corrida eleitoral de 1998 no dia seguinte da votação. Nessa foto, aparece um único candidato, o próprio Fernando Henrique Cardoso.
Já era um pouco assim no início de fevereiro, quando a Câmara aprovou a reeleição na primeira votação. Mas, nos quatro meses subsequentes, houve uma chuva de escândalos que molhou muito mais a oposição do que o governo, ainda que este esteja sob suspeição no maior deles, a da compra de votos exatamente para aprovar a reeleição.
A primeira vítima foi o ex-prefeito paulistano Paulo Salim Maluf (PPB), colocado na berlinda pela CPI dos Precatórios.
Pouco depois, o atingido foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sob suspeita de omissão na apuração de irregularidades que supostamente envolvem seu compadre, o advogado Roberto Teixeira.
Enquanto a oposição era atingida, o governo valia-se de sua maioria parlamentar para confinar o escândalo da compra de votos a, por enquanto, dois deputados, ambos réus confessos (os ex-pefelistas João Maia e Ronivon Santiago, do Acre).
Um só nome
É claro que ainda é cedo para se avaliar os danos à imagem do presidente provocados pelo escândalo da compra de votos. Mas não é cedo para se concluir que, aprovada de vez a reeleição, só há uma candidatura de fato lançada, a do próprio presidente.
Graças ao direito de disputar a reeleição, FHC não apenas solda a coligação que o elegeu em 94, como a amplia. Antes, eram PSDB, PFL e PTB. Agora, entram grandes nacos do PMDB, dos supostamente ideológicos, como os paulistas Alberto Goldman e Aloysio Nunes Ferreira Filho, aos populistas, como o goiano Iris Rezende, novo ministro da Justiça.
Sem contar personalidades do PPB de Maluf, como o ministro da Indústria, Comércio e Turismo, Francisco Dornelles.
Não há, portanto, a menor brecha para uma segunda candidatura no campo situacionista.
Tudo o que falta definir são as candidaturas de oposição, pela direita e pela esquerda.
Maluf
E é nesse capítulo em branco que os escândalos provocaram mais estragos.
Maluf começou 1997 no embalo de ter conduzido à vitória em São Paulo um desconhecido, Celso Pitta, em clara demonstração de prestígio eleitoral.
Seis meses depois, um microdetalhe, mas simbólico: Pitta foi vaiado, anteontem à noite, quando o ator John Herbert anunciou seu nome entre os presentes à pré-estréia do filme "O Cangaceiro", no cine Bristol.
Se é assim em São Paulo, praça-forte do malufismo, fica difícil implementar a estratégia malufista original, que era a de vender o nome do ex-prefeito no restante do país.
O publicitário Duda Mendonça, o mágico do marketing de Maluf, constatara, na campanha eleitoral municipal, que a imagem de Maluf fora de São Paulo não era nem boa nem ruim; era inexistente.
Tanto que almoçou com Maluf em um restaurante de Salvador (BA) e ninguém sabia quem era seu companheiro de mesa. No máximo, um dos presentes chegou a perguntar a Duda se era "o irmão do Maluf".
O escândalo dos precatórios brecou uma peregrinação de Maluf pelos Estados. Empurrou-o para bem mais longe, para o exterior, para manter-se longe dos holofotes enquanto durava a CPI.
Mais: a aprovação da reeleição quebra a espinha dorsal da estratégia que estava na cabeça de Maluf para 98.
PFL
Sem a reeleição, o ex-prefeito achava que a coligação PSDB-PFL se desmancharia naturalmente, ante a impossibilidade de conseguir outro nome, eliminado FHC, que fosse aceitável para as duas partes.
Logo, o PFL tenderia a cair no colo de Maluf, única alternativa de poder restante para um partido que, até hoje, só soube fazer política ao lado do governo de turno.
Agora, não resta a Maluf qualquer outra hipótese de coligação com partido médio ou grande capaz de lhe proporcionar mais tempo no horário gratuito, o principal instrumento para popularizar qualquer candidato em áreas onde ele não é muito conhecido.
Lula, Tarso ou?
À esquerda, a situação não é muito diferente. Antes mesmo de a reeleição se tornar definitiva, Lula impunha condições quase inalcançáveis para aceitar ser candidato pela terceira consecutiva.
Queria: 1) o apoio de uma frente que não se limitasse aos partidos de esquerda, tradicionais aliados do PT; 2) que os PTs estaduais aceitassem subordinar seus planos eleitorais à estratégia nacional, ou seja, ceder a cabeça de chapa, em Estados como o Rio de Janeiro, para o brizolismo; 3) uma estrutura profissional de campanha.
Cansado das intermináveis disputas internas no PT, Lula emitiu claros sinais de alívio quando, há um mês, minicúpula petista realizada no Chile, no intervalo de uma reunião de partidos de esquerda latino-americanos, praticamente consagrou a candidatura presidencial de Tarso Genro, o ex-prefeito de Porto Alegre.
Tarso, aliás, passou a comportar-se como virtual candidato, com endosso, também virtual, de Leonel Brizola (PDT) e de uma liderança do PSB como o prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro.
Mal os petistas desembarcaram de volta no Brasil, a Folha divulgou as fitas revelando a compra de votos para a reeleição.
Foi o suficiente para congelar a situação. Um eventual enfraquecimento de FHC, como consequência do escândalo, reanimaria a candidatura Lula, àquela altura em estado de coma.
Antes mesmo que se pudesse medir o efeito do escândalo da compra de votos, vieram as suspeitas sobre o próprio PT.
Resultado final: hoje, ninguém, no PT ou na esquerda, é capaz de dizer se vale o que se acertara em princípio no Chile (a candidatura Tarso Genro) ou se vale o estado de espírito imediatamente posterior ao escândalo da compra de votos (o balão de oxigênio para a candidatura Lula).
Ou se nada disso está valendo e a esquerda vai procurar o chamado "candidato independente", um suprapartidário como os juristas Raymundo Faro ou Fábio Konder Comparato, por exemplo.
Itamar e o PMDB
Como Leonel Brizola jura que enterrou qualquer projeto eleitoral (e parece sincero), o vácuo à esquerda pode ser preenchido pela candidatura do ex-presidente Itamar Franco.
Em conversa telefônica com amigos mineiros, há um mês, Itamar disse que queria ser candidato contra FHC.
O ex-presidente sente-se injustiçado pelo seu sucessor, que assumiu plena paternidade pelo Plano Real, lançado no período Itamar.
A fatia do PMDB que está mais distante do governo, comandada pelo presidente nacional, o deputado Paes de Andrade (CE), insiste em convidar Itamar para ingressar no partido e ser o candidato.
Mas a hipótese se torna mais e mais complicada na medida em que a maioria dos caciques do partido colou no governo FHC.
Na análise, por exemplo, dos deputados Aloysio Nunes Ferreira Filho e Alberto Goldman, não faz o menor sentido o partido apoiar um governo, como o está fazendo agora, e não apoiar o chefe desse mesmo governo na sua tentativa de reeleger-se.
Ainda mais que o candidato, no caso FHC, tem nas mãos, até agora, um ativo eleitoral que a história recente da América Latina mostrou ser imbatível: inflação sob controle.
Personalidades tidas como responsáveis pela derrubada da inflação ganharam eleições na Bolívia (Gonzalo Sánchez de Lozada, agora encerrando seu mandato), na Argentina (Carlos Menem, reeleito), no Peru (Alberto Fujimori, igualmente reeleito) e no próprio Brasil (FHC, eleito em 94 e, agora, com direito a tentar um segundo mandato).

Texto Anterior: ACM e Simon trocam insultos no Senado
Próximo Texto: A batalha pela Presidência em 1998
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.