São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997
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Brasil não dá proteção a vítimas de perseguição

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

No Brasil, a vítima de perseguição -pessoa que é seguida constantemente por outra e que tenha medo de ser agredida pelo perseguidor- fica entregue à própria sorte.
Já nos Estados Unidos há um certo exagero. Um brasileiro foi condenado a três anos de prisão -pena igual à do homicídio culposo no Brasil- por seguir constantemente uma mulher por quem era apaixonado (leia texto abaixo).
Na legislação brasileira há dois tipos penais que poderiam abrigar esse tipo de comportamento. Na prática, porém, não conferem nenhum tipo de proteção à vítima.
O primeiro chama-se perturbação da tranquilidade e é uma contravenção penal (delito menos grave que o crime).
A Lei das Contravenções Penais fixa a pena de prisão -de 15 dias a dois meses- ou multa para aquele que "molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou motivo reprovável".
O segundo é o crime de ameaça. O Código Penal pune com detenção -de um a seis meses- ou multa quem "ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave".
"É difícil, na prática, provar que a perseguição visa causar um mal. É claro que constrange a vítima, tolhe a sua liberdade, mas a lei é falha", diz Luíza Nagib Eluf, promotora de Justiça em São Paulo.
Ela defende mudanças na lei, para adaptar o crime de ameaça à situação de perseguição.
"Deveria existir uma punição, mas não a prisão. Uma pena de prestação de serviços à comunidade ou restritiva de direitos, como proibição de frequentar certos lugares, resolve", avalia.
O problema das vítimas de perseguição começa na delegacia. Às vezes é difícil convencer o delegado a registrar a ocorrência, especialmente quando perseguido e perseguidor tiveram um relacionamento amoroso. Com testemunhas pode ser mais fácil persuadir a autoridade policial.
"O delegado não pode fazer isso. Se ele recusar-se a lavrar a ocorrência, a pessoa deve fazer uma representação contra ele à Corregedoria Geral da Polícia", recomenda o juiz Luiz Flávio Gomes, da 26ª Vara Criminal de São Paulo.
Mesmo porque muitos casos podem ser resolvidos numa conversa com o delegado.
Apesar de tudo, são comuns processos por ameaça (não de perseguição).
Segundo a jurisprudência, para configurar o crime de ameaça, é preciso provar que houve a intenção específica de incutir medo, de intimidar a vítima.
Várias decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), dizem que a ameaça deve "provir de ânimo calmo e refletido". Isso quer dizer que ela deve ser premeditada, não se caracterizando a ameaça quando proferida em momento de raiva.
Num julgamento recente, Gomes fez um acordo: o réu comprometeu-se a deixar a vítima em paz. Até agora, três meses depois, deu certo. Segundo o juiz, são raros os casos em que ameaça vira tragédia.

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