São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997
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O cansativo trabalho em turnos

VICENTE PAULO DA SILVA; REMIGIO TODESCHINI

VICENTE PAULO DA SILVA
REMIGIO TODESCHINI
O normal da atividade humana seria tão-somente trabalhar no período diurno. No mundo todo e aqui no Brasil, no final do século passado e no início deste, os trabalhadores lutavam por oito horas de trabalho (diurnas), oito horas de lazer (vespertinas), e oito horas de descanso (noturnas).
Com a intensificação da Revolução Industrial e a aceleração das mudanças tecnológicas, máquinas, equipamentos e serviços começaram a ser utilizados de forma ininterrupta (24 horas por dia), ampliando-se sobremaneira, por razões econômicas, o trabalho em turnos (manhã, tarde e noite).
É evidente que esse tipo de trabalho quebra a regularidade normal das nossas vidas, do dia-a-dia. Quebra a vida familiar, quebra o sono, quebra o chamado "relógio biológico" e traz uma série de transtornos de toda ordem aos trabalhadores, quer psíquicos, físicos ou sociais.
Há mais de 50 anos existem estudos, de universidades, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras entidades, que demonstram problemas para o trabalho em turnos de revezamento, rodiziantes ou fixos (problemas digestivos, úlceras, sonolência, acúmulo de fadiga, manifestações psiquiátricas, estresse, maior risco de acidentes e doenças, doenças cardiovasculares etc.).
Eles se apresentam em todas as atividades, seja no setor industrial, rural ou de serviços. E, em muitos casos, são agravados pelas condições insalubres, penosas e perigosas de diversas atividades e serviços.
Entre os vários direitos inscritos na Constituição de 88, como fruto da pressão da sociedade civil, encontra-se, em seu artigo 7º, inciso 14, o direito ao turno de seis horas para os trabalhadores em turnos ininterruptos de revezamento.
Esse dispositivo teve uma finalidade clara: minimizar os efeitos nocivos do trabalho em turnos (manhã, tarde e noite) de todas aquelas atividades ininterruptas que estão crescendo assustadoramente.
Enfim, a jornada normal deveria ser somente diurna. E para as atividades ininterruptas, devido aos efeitos danosos, o constituinte determinou a redução da jornada de turno para seis horas, ou outras jornadas, fruto de negociação coletiva.
Em diversas atividades foram viabilizadas reduções de jornada de trabalho que possibilitaram cinco turmas de trabalho de seis horas (quatro trabalhando e uma folgando) ou cinco turmas de oito horas (três trabalhando e duas folgando), a fim de serem minimizados os efeitos nocivos dessa jornada. Milhares de trabalhadores no Brasil são beneficiados com a redução da jornada para atividades de turno, tendo hoje jornadas de 33 horas e 36 minutos semanais em média.
Frente à onda neoliberal, onde reformas são sinônimo de cortes, há pressões de todos os tipos para retrocedermos ao início do século. Governo e empresários (e, infelizmente, alguns sindicalistas) querem instituir o contrato temporário de trabalho para implantar um projeto em que todos os trabalhadores serão prejudicados.
A CUT tem posição contrária a esse projeto, que cortará os mais elementares direitos trabalhistas e não aumentará o emprego. Os exemplos da Espanha e da Argentina são clássicos. Nesses países, é cada vez maior a taxa de desemprego depois da flexibilização dos direitos.
Também continuam as pressões para retirar da Constituição os chamados "direitos sociais", especialmente o direito ao turno de seis horas. Há, hoje, um forte lobby junto ao Poder Judiciário buscando dar interpretação diversa daquela que foi o espírito da constituinte.
Pasmem, esse lobby quer voltar à Idade da Pedra nas relações de trabalho. Querem forçar uma interpretação: pelo fato de ser concedido repouso-alimentação durante a jornada de turno, ou descanso semanal remunerado, haveria quebra do direito ao turno de seis horas.
As razões dessa regra da Constituição são reafirmadas por vários juristas renomados. O dispositivo constitucional reduziu a jornada de turno devido à nocividade dessa jornada ser realizada de forma ininterrupta durante as 24 horas do dia, quando os serviços ou atividades econômicas não param.
O absurdo é que, em plena véspera do século 21, de extraordinário avanço tecnológico, queiram voltar à superexploração do século passado. Querem que tenhamos jornadas cada vez mais extenuantes e cansativas, fazendo, quem sabe, com que os trabalhadores de turno não almocem, não descansem e fiquem permanentemente, os 365 dias do ano, trabalhando!
Num momento de tensão social, desemprego e baixa distribuição de renda é importante termos políticas de criação de novos empregos. É urgente e imediata a redução da jornada de trabalho para todos, sem redução salarial e com respeito aos trabalhadores.
Com a globalização, as empresas concentram cada vez mais capital e aumentam sua lucratividade. Em contraposição, os trabalhadores têm seus salários diminuídos, menos postos de trabalho e seus direitos atacados. Queremos respeito e dignidade! Em todo o mundo, os trabalhadores e trabalhadoras exigem mais emprego, mais salário e mais saúde!

Vicente Paulo da Silva, 40, metalúrgico, é presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e presidente do Inspir (Instituto Interamericano pela Igualdade Racial). Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-94).

Remigio Todeschini, 43, é tesoureiro nacional e coordenador do Coletivo Nacional de Saúde e Meio Ambiente da CUT.

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