São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gotham Book, alma de NY, deve fechar

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DE NOVA YORK

Uma das mais importantes livrarias dos Estados Unidos pode estar com os dias contados.
Andreas Brown, dono da Gotham Book Mart, conhecida como meca da literatura moderna, estuda vender o prédio em que ela está localizada para pagar uma dívida.
O proprietário da livraria perdeu um processo para Joanne Carson e terá de lhe dar US$ 1,4 milhão.
Segunda mulher do apresentador de televisão Johnny Carson, Joanne, alegando ter feito dois empréstimos a Brown, um em 1988, outro em 1991, exigia o dinheiro de volta.
O proprietário da livraria, porém, recusava-se a pagá-la, dizendo que não se tratava de empréstimos, mas de investimentos na Gotham Book Mart.
No início de maio, o juiz Franklin Weissberg, da Suprema Corte de Nova York, estabeleceu 28 de fevereiro do ano 2000 como prazo para que a dívida seja saldada.
"Pelo menos não terei de pagar nada agora. A livraria ganhou uma sobrevida de dois anos e pouco", afirmou à Folha Andreas Brown, que conheceu Carson apresentado pelo escritor Truman Capote, autor de "A Sangue Frio".
Mas fechar o negócio é uma alternativa que o proprietário da Book Mart não descarta. "Só vendendo o prédio arrecado o suficiente para quitar a dívida."
A possibilidade de ver uma placa de "vende-se" diante do edifício da rua 47, entre a Quinta e a Sexta Avenida, assusta os frequentadores da Book Mart.
"É a minha livraria favorita nos Estados Unidos. É inconcebível pensar em fechá-la. Seria um atentado à cultura", disse o escritor John Updike.
"Ela já virou um dos símbolos de Nova York", comentou Ed Koch, ex-prefeito da cidade.
"Se for preciso faremos uma campanha, qualquer coisa que seja, para que ela continue a existir."
A fundadora
Grande incentivadora de escritores em início de carreira, Frances Steloff (1887-1989), filha de um rabino russo, abriu a Gotham Book Mart, em janeiro de 1920.
Localizada perto da Broadway, na rua 45, era chamada de Gotham Book & Art.
Três anos depois, mudou de lugar e de nome, indo para a rua 47, ao lado do prédio que ocupa atualmente, e passando a se chamar Gotham Book Mart.
Com a ajuda de escritores renomados e da comunidade judaica em Nova York, em 1946 transferiu-se para o subsolo do prédio vizinho, lugar em que está até hoje.
Em 1967, Steloff vendeu a livraria para Brown. Até o ano de sua morte, no entanto, ajudou seu novo dono a administrá-la.
"Ela era incansável. Com 101 anos estava lá a mexer nos livros, a procurar novos escritores, a conversar com os fregueses mais antigos", conta Brown.
A vanguarda
Especializada em literatura do século 20, prosa e poesia, a Gotham Book Mart se destaca também por seus livros sobre teatro e cinema.
Desde sua fundação, a livraria começou a atrair escritores, dramaturgos, cineastas e poetas das mais diferentes origens.
Theodore Dreiser, H.L. Mencken, Eugene O'Neill, Henry Miller, Anais Nin, George e Ira Gershwin e Charlie Chaplin estavam entre seus frequentadores mais assíduos.
Allen Ginsberg e Tennesse Williams chegaram a trabalhar lá como atendentes. Mas Williams, com dificuldades para embrulhar livros e chegar cedo ao trabalho, não durou uma semana no cargo.
No segundo andar da livraria, Steloff fundou, em 1947, a Sociedade James Joyce -o primeiro sócio foi o Prêmio Nobel de 1948, o poeta norte-americano naturalizado inglês T.S. Eliot.
O admiradores do escritor irlandês se encontram até hoje a cada duas semana para discutir e estudar "Finnegans Wake", uma das obras mais herméticas de Joyce.
Polêmica, Steloff comprou diretamente de D.H. Lawrence, na Itália, exemplares de "O Amante de Lady Chatterley", e de Henry Miller, em Paris, cópias de "Trópico de Câncer", quando esses estavam sob censura nos EUA.
A venda de livros "ilegais" gerou vários processos contra Steloff. Em todos, no entanto, acabou se saindo vitoriosa.

Texto Anterior: Appiah fala de indivíduo e liberalismo
Próximo Texto: FRASES
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.