São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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Para autora do estudo, discriminação é inconsciente

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

"O que é óbvio é que os avaliadores de pedidos de financiamento para pesquisa -que são a elite científica da Suécia- têm muitos preconceitos. Mas eu acho que isso é inconsciente", afirma a pesquisadora Christine Wenneras, 34.
No artigo publicado pela "Nature", Wenneras e sua colega Agnes Wold atribuem a esse "preconceito inconsciente" o fato de que as mulheres atingem menos postos altos na carreira acadêmica do que os homens.
Nascida na Dinamarca, com uma passagem dos 11 aos 16 anos no Rio de Janeiro, e hoje pesquisadora no Instituto Pasteur de Paris, Wenneras considera inclusive que é um preconceito contra as crianças a idéia de que ter filho atrapalha a carreira de uma pessoa.
A seguir trechos da entrevista, concedida em português à Folha, por telefone.

*
Folha - Por que vocês decidiram fazer essa investigação?
Christine Wenneras - O que aconteceu foi que a Agnes (Wold), eu e mais duas mulheres, a gente concorreu a posições (títulos e verbas) do Conselho de Pesquisas Médicas em fins de 1994. E eu, talvez por um pouco de ignorância, estava segura de que uma de nós teria uma dessas posições.
Mas nenhuma de nós conseguiu. E quando a gente recebeu a carta de rejeição, na qual eles incluem a lista das pessoas que ganham a posição, eu tive a impressão de que havia muitos homens.
Folha - E vocês começaram a pesquisa?
Wenneras - A gente começou a bater papo com os nossos amigos, colegas, e foi aí que as pessoas diziam que as mulheres não querem fazer carreira, que há poucas mulheres que fazem esse concurso, que as mulheres escrevem poucos artigos. Um montão de coisas que nós podíamos verificar, com os dados que tínhamos, que não eram verdadeiras.
Aí nós escrevemos um artigo no maior jornal sueco, que saiu em janeiro de 1995. Fizemos umas tabelas muito simples e vimos que uma mulher teria que escrever muito mais artigos para poder ter a mesma chance que um homem.
Folha - Vocês tiveram acesso aos arquivos do Conselho de Pesquisas Médicas (CPM)?
Wenneras - Isso foi uma longa história. Eles disseram que esses papéis eram segredo e não podiam estar ao alcance do público. Por sorte, na Suécia as leis são muito liberais e quase todos os documentos que existem são abertos, exceto os de segurança do país.
Só que, depois, eles disseram que os documentos não existiam mais. Descobrimos que isso não era verdade, e uma autoridade fez mais uma visita ao MRC e encontrou todos os documentos escondidos.
Houve até pressão contra nós. A minha chefe, por exemplo, disse que temia pelo meu futuro. Isso talvez nem fosse a sua opinião pessoal. Mas ela teve muitas chamadas telefônicas de outras pessoas que diziam "bom, agora basta".
Folha - Você acha que pode haver problemas como os que vocês relatam na Suécia no mundo todo?
Wenneras - Eu acho que a Suécia é um bom país para as mulheres. E, como nós conseguimos mostrar que há muito preconceito mesmo na Suécia, que é um pouco um modelo de igualdade entre os sexos, eu estou segura de que devem existir problemas como esse em outros países também.
Folha - E em países latino-americanos, como o Brasil, onde há uma cultura mais machista?
Wenneras - O que você acha?

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