São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Da tungada à tanga

OSIRIS LOPES FILHO

A federação brasileira, afirmada fortemente pela atual Constituição, está moribunda. Há uma infecção alimentada pelos governantes, no sentido de enfraquecer a autonomia política e financeira dos Estados e dos municípios, de sorte a fazer prevalecer a vontade e o poder da casta governamental federal.
O novo atentado antifederativo é a proposta de prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal -FEF-, cuja morte festiva está prevista para o dia 30 de junho, e deveria ser comemorada com a mesma alegria dos folguedos de São João e São Pedro.
Pretende-se justificar essa nova prorrogação sob o argumento de que o FEF é fundamental para o Real, este novo tabu monetário, que tudo justifica neste país.
Em verdade, essa hedionda tentativa de prorrogação do FEF constitui deslavada evidência do cinismo e da incompetência financeira da União. Já foi denominado Fundo Social de Emergência, sem ser nada disso. Depois rebatizaram-no de Fundo de Estabilização Fiscal, oportunística nomenclatura a mascarar a incapacidade financeira federal de pôr em ordem suas contas.
A regra é a de tungar. Tunga-se o contribuinte, elevando-se a carga tributária a níveis obscenos. Tungam-se os Estados, o Distrito Federal e os municípios, retirando-lhes o que a Constituição lhes atribui, para que possam prover as necessidades públicas de seus habitantes. Tunga-se, a esse título, R$ 3 bilhões.
O terrível é que nada melhora no país. O FEF se apropria, no mínimo, de R$ 16 bilhões das contribuições sociais. Diz-se que é para racionalizar a aplicação dos recursos, libertos da vinculação enrijecedora.
Ocorre que, por falta de vacinas, sem estoque abastecedor, algumas doenças já desaparecidas podem ressurgir em versão epidêmica. A febre amarela é a possibilidade mais catastrófica. O mosquito transmissor de dengue também transmite a febre amarela. A desorganização administrativa do Ministério de Saúde só combate o mosquito e eficazmente na propaganda da televisão. Se aparecer um doente de febre amarela, os mosquitos impunes poderão espalhá-la. É a modernização que, em verdade, representa o avanço do retrocesso.
De tanto tungar, a União vai reduzir os recursos destinados aos Estados e aos municípios e à Saúde deste país, tornando suas finanças semelhantes à escassez, exposição e exiguidade de uma tanga.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Concordata branca; Ladeira abaixo; Tempo certo; Com a barriga; Sinal trocado; Refazendo as contas; Do mesmo tamanho; De galho em galho; Dois pesos; Os mercadões; Séculos e séculos; Na Idade Média; A última que morre; Gestão partilhada; Marcação cerrada; Começar de novo; Dois coelhos
Próximo Texto: Privatização de bancos públicos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.