São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Filme é longa descida aos infernos

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Um Céu de Estrelas" é uma tragédia paulistana. Parece uma peça de Plínio Marcos filmada pelo Ken Loach de "Chuva de Pedras". Um ex-casal sem qualquer glamour, uma locação idem (Mooca), uma longa descida aos infernos.
Cabeleireira cansa de noivo, moço não se conforma, só pode dar merda. A crueza da linguagem é nada se comparada à do filme, ou à do universo de Fernando Bonassi, escritor do romance original.
A estreante em longas Tata Amaral ("Viver a Vida") emprestou ao livro o som e a fúria do cinema, a partir de um estupendo roteiro de Jean-Claude Bernardet e Roberto Moreira. Excetuando-se principalmente um longo e barroco videoprólogo assinado por Francisco César Filho, tudo se passa no interior de uma casa. A ação concentra-se sobre o último encontro entre Dalva, a amante que quer partir (Alleyona Cavalli, a revelação do ano), e Vitor, o desprezado metalúrgico que não a quer deixar (o esforçado Paulo Vespúcio Garcia).
Combine-se, a essa unidade de tempo e de espaço, uma câmera incansável, que parece costurada aos personagens. O resultado é um "huis clos" com rara vida cinematográfica e uma curva ascendente de tensão com poucos paralelos recentes.
Não se pode menosprezar ainda o cuidadoso trabalho sonoro. Se Dalva e Vitor quase monopolizam o campo de visão, muito do fermento dramático do filme se origina do que acontece fora de quadro. Tanto é assim que dois dos principais coadjuvantes da trama, a mãe de Dalva e o policial Medeiros, são antes vozes do que corpos. O antinaturalismo da música de Wilson Sukorski e Lívio Tragtenberg também empresta não pouca dramaticidade ao todo.
Imperfeito que seja, "Um Céu de Estrelas" irriga a nova produção brasileira com sangue, sêmen e lágrimas. Enfim um filme da nova geração que não paga tributo à nostalgia ou ao mero marketing. Já não era sem tempo.

Filme: Um Céu de Estrelas
Direção: Tata Amaral
Roteiro: Jean-Claude Bernardet e Roberto Moreira, a partir do romance homônimo de Fernando Bonassi
Pré-estréia: hoje, às 20h30, no Espaço Unibanco de Cinema

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