São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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A escola das ruas

MOACYR SCLIAR

Tudo começou quando o pai resolveu tirá-lo da escola para pedir esmolas nas ruas. A professora ficou indignada, porque o menino era ótimo aluno, o melhor da aula, certamente teria um grande futuro. Mas o garoto não protestou, não disse nada. Não adiantaria: o que o pai decidia, os filhos tinham de cumprir. Além disto, estava faltando dinheiro em casa. Muitas vezes não tinham o que comer.
E assim começou a pedir esmola. Inteligente como era, não tardou a descobrir que havia uma técnica para isso. Era preciso posicionar-se em lugares convenientes, era preciso adotar o tom de voz adequado, era preciso dizer as coisas certas. Obedecidos esses pré-requisitos, o dinheiro entrava. E entrava tanto, que ele podia guardar uma parte para si. Que começou a investir. Comprava e vendia coisas, produtos de limpeza, utensílios para o lar. Sem demora, estava com uma pequena banca instalada perto do local onde costumava pedir esmola. Quando uma loja próxima ficou vazia, ele a alugou. O negócio foi tão bem que, em poucos anos, ele já tinha uma cadeia de lojas.
Hoje esse homem, ainda jovem, é um milionário. Sustenta os irmãos -e o pai, naturalmente, por quem, segundo diz, não guarda qualquer rancor. Se ele não tivesse me tirado da escola, afirma, eu hoje seria um profissional liberal desempregado ou então estaria pulando de empreguinho em empreguinho. Na escola das ruas eu me fiz por mim mesmo. Não sei quais são os afluentes do Amazonas, diz, mas isso não me fez falta alguma.
É o que diz e as pessoas acreditam. Por que não haveriam de acreditar? Afinal, trata-se de uma história de sucesso, dessas que os bilionários gostam de contar em jantar beneficentes. Há uma coisa, porém, que esse bem-sucedido empresário não conta para ninguém. É o seu projeto secreto, o projeto no qual pensa todas as noites quando, insone, não consegue dormir.
Ele quer voltar à escola. Não a qualquer escola; quer voltar à sua antiga escola. Quer sentar lá, na carteira que foi sua. E quer ter diante de si a professora, a antiga professora, falando sobre os afluentes do Amazonas.
É um sonho? É um sonho. Ele sabe que os sonhos não dão dinheiro. Mas também reconhece, com um aperto no coração, que sem sonhos é impossível viver.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto de ficção baseado em notícia publicada no jornal

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