São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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O Real e a onda rosa

ELEONORA DE LUCENA

Na véspera de completar o seu terceiro aniversário, o Plano Real enfrenta, pela primeira vez, queda de popularidade. O grupo dos que acreditam no seu sucesso caiu de 46% para 36%. Já a parcela que aposta no fracasso do programa aumentou de 11% para 19%.
Os números foram divulgados pela Confederação Nacional da Indústria e mostram uma crescente desaprovação das medidas econômicas entre os mais pobres. Os entrevistados citaram as causas do descontentamento: alta de preços, recessão e desemprego.
Depois da euforia de 94-95, a pesquisa aponta hoje uma pontinha de sentimento de ressaca. O plano tem ainda muito apoio, mas avança a sensação de que o país patina e não engrena rumo a um crescimento forte. O desemprego teima em continuar muito elevado.
De fato, nos anos 80, durante a "década perdida", o país cresceu em média 2,93% ao ano. Nos 90, o aumento médio está em 1,76%. As falhas na área externa são como uma camisa-de-força para o país crescer mais, dizem os economistas. Só agora essas fragilidades parecem ter eco na população.
O governo insiste em dizer que desemprego alto e crescimento contido são fenômenos mundiais. Os números estupendos da economia norte-americana (o desemprego é o menor desde 73) quase derrubam a tese. Mas ela faz sentido quando se trata de Europa.
Lá, os últimos dias são de reviravolta. No centro estão a questão do desemprego e as fórmulas para o desenvolvimento. A esquerda, em diferentes matizes, ressurge na França e no Reino Unido. Já se fala que essa onda rosa pode chegar até a Alemanha e complicar a criação da moeda única européia.
Hoje, os partidos de esquerda participam do governo em 13 dos 15 países da União Européia. Apenas na Alemanha e na Espanha eles estão na oposição. O desafio de criar uma moeda -para enfrentar os EUA e o bloco oriental- exige muitos sacrifícios.
Requer controle de gastos públicos, corte de programas sociais, domínio da inflação e embute mais desemprego. O déficit, por exemplo, não pode ultrapassar 3% do PIB. Se isso ocorrer, o país infrator paga multa. Hoje, essa meta não seria cumprida pela maioria dos países europeus.
Para atingi-la, os países devem apertar mais os cintos. O governo alemão até ensaiou uma manobra contábil para tentar burlar os números. Não conseguiu e agora não sabe como fazer cortes com desemprego recorde e economia em ritmo lento.
O recado que os eleitores europeus estão dado é claro: eles estão fartos de sacrifícios e têm dúvidas sobre o ritmo desse turbocapitalismo. Não foi por outro motivo que o governo de Lionel Jospin anunciou ressalvas em relação às metas da União Européia.
Os socialistas querem incluir no tratado balizas sociais -patamares de desemprego, por exemplo. E divulgaram a decisão no dia em que 50 mil manifestantes tomaram as ruas de Paris pedindo mais empregos. Na França, o desemprego também é recorde: 12,8%.
O descontentamento do eleitor e a onda rosa na Europa devem ser sinais a serem interpretados pelos governos mundo afora. No Brasil, a pesquisa da CNI sobre a popularidade do Real pode ser um sinal amarelo.

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