São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 1997
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Os 90 anos do mestre da ciência no Brasil

MARIA ALICE ROSA RIBEIRO

Em 1997, o Instituto Biológico comemora 70 anos de dedicação à produção científica e tecnológica na defesa da agricultura. Mas esse evento não esgota a agenda de comemorações: hoje, o Instituto faz uma homenagem especial aos 90 anos de um dos seus mais importantes cientistas -José Reis.
Todos conhecem José Reis como o grande defensor da ciência no nosso país e o divulgador por excelência dos estudos realizados no Instituto Biológico e nas demais instituições científicas do Estado de São Paulo.
Como pioneiro do jornalismo científico, suas colunas na "Folha da Manhã" e na Folha de S.Paulo contam uma longa história de incentivo à formação do interesse pelas coisas da ciência, pela descoberta científica e pela busca de explicações para os fenômenos da natureza. Sua contribuição à defesa e à divulgação da ciência não se esgota aí. Durante mais de uma década, José Reis foi diretor da revista "Ciência e Cultura", da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, instituição que ajudou a criar em 1948.
Poucos, no entanto, conhecem o José Reis cientista, cuja trajetória profissional se liga à história do Instituto Biológico. É sobre esse José Reis menos conhecido, que iniciou a carreira científica no Biológico e obteve notoriedade com os estudos sobre doenças das aves, que vamos falar.
Em 1927, a reforma da Secretaria da Agricultura promovida por Fernando Costa teve como prioridade a reordenação da estrutura das instituições de pesquisa científica voltadas ao desenvolvimento da agricultura.
A reforma criou o Instituto Biológico, voltado à promoção da defesa sanitária da agricultura, especificamente ao estudo das doenças e das pragas que atacavam as lavouras paulistas e a criação de animais. A nova instituição foi organizada por Arthur Neiva e Henrique da Rocha Lima, cientistas que haviam sido colaboradores de Oswaldo Cruz, em Manguinhos.
No campo da patologia animal, Neiva recrutou pesquisadores entre os cientistas oriundos dos núcleos científicos do Rio e organizou a seção de bacteriologia, trazendo seus ex-alunos Celso Rodrigues (1905-1968), Adolfo Martins Penha (1904-1980), Otto Bier (1906-1985) e, em seguida, José Reis.
Sob a orientação de Rocha Lima e a seu lado, José Reis diria que encontrou "o caminho de sua vida", a qual, ainda nas suas palavras, Rocha Lima "jamais deixou de presidir, discreta e sabiamente".
A idéia de estudar os problemas da avicultura lhe fora sugerida por Rodolfo von Ihering. Nas suas viagens de estudos sobre piracemas na cachoeira das Emas e nos rios Mogi-Guaçu e Tietê, Ihering encontrava avicultores e pequenos proprietários desesperados com a perda de sua criação, em virtude de algum surto epizoótico.
Na época, a eliminação de toda a criação era a única solução para qualquer epizootia que atacasse as aves. Sensibilizado pela situação crítica dos pequenos sitiantes, Ihering sugeriu a Reis o estudo dessas epizootias.
Por volta de 1931, os estudos começaram a ser feitos, definindo-se no instituto um setor de patologia aviária. O setor tornou-se oficialmente seção de ornitopatologia em 1934.
Nesse campo de estudos, o instituto foi mundialmente reconhecido como pioneiro. Nunca uma instituição de pesquisa de patologia animal estudara tanto as doenças das aves, e nunca um volume tão grande de informações sobre avicultura fora sistematizado.
As principais doenças que acometiam as aves do Estado foram explicadas de forma a ensinar a assistência a identificar o mal, por meio da série de sintomas descritos, e a tomar as medidas necessárias para seu combate: vacinação e cuidados com a higiene dos aviários.
Em 1936, a seção publicou o livro "Doenças das Aves -Tratado de Ornitopatologia", no qual foram reunidos todos os estudos realizados por José Reis, chefe de serviço, Paulo Nóbrega, assistente, e Anita Swensson Reis, sua mulher, preparadora.
Reis e seus colaboradores realizaram uma revisão a mais completa possível de cada assunto estudado, um verdadeiro "estado da arte", com o propósito de servir ao pesquisador como ponto de partida para novas investigações, principalmente por trazer indicações sobre lacunas ainda existentes na literatura especializada.
O reconhecimento do valor da obra foi manifestado pelo professor F.R. Beaudette, da Universidade de Rutgers, Nova Jersey, a mais conhecida autoridade em ornitopatologia. Assim, José Reis, o mestre da ciência na periferia do capitalismo, obrigava os cientistas do norte a ler português.
Os estudos de ornitopatologia influenciaram a melhoria do ensino, contribuíram para elevar o conhecimento do avicultor sobre as moléstias das aves e sua profilaxia e propiciaram a produção de vacinas e soros.
Esse foi o José Reis cientista, que permitiu que a criação de aves desde os primeiros passos se transformasse numa atividade promissora, organizável em grande escala, de forma metódica e permanente. Caiu por terra a noção, até então arraigada, de que era impossível criar galinhas além do fundo do quintal.

E-mail: mribeiro@fclar.unesp.br

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