São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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A Justiça e a revolução no crédito imobiliário

MAILSON DA NÓBREGA

Semana passada, comentei sobre a revolução que pode advir do projeto de lei sobre a alienação fiduciária de imóveis, que aumentará a segurança jurídica para o financiador de imóveis.
A nova figura contorna os defeitos de nosso anacrônico processo judicial, pelo qual, em caso de inadimplência, a execução de uma dívida imobiliária pode durar longos dez anos.
O tema serve para duas reflexões: (1) a ação inibidora da crise da Justiça sobre o desenvolvimento do país e (2) o enorme potencial que o novo Sistema Financeiro Imobiliário terá para o crescimento da economia e do emprego.
A crise da Justiça não é uma característica brasileira. Segundo Maria Tereza Sadek e Rogério Bastos, do Instituto de Estudos Econômicos e Sociais de São Paulo -Idesp-, ela se manifesta também em democracias avançadas.
Em muitos países desenvolvidos, o descontentamento se expressa na criação de comissões para buscar soluções e em demandas por uma Justiça mais rápida e eficaz.
Desde 1958, a Universidade de Chicago edita o "Journal of Law and Economics", no qual apareceram os primeiros estudos sobre os efeitos do sistema jurídico na formação dos preços e na alocação dos recursos da sociedade.
Na década de 30, o professor Ronald Coase, da mesma universidade, realizou trabalho pioneiro sobre a matéria, que lhe valeu o prêmio Nobel de Economia e constituiu base para contestar aspectos perniciosos da intervenção estatal na economia.
No Brasil, a extensão da crise é pouco conhecida. Os raros estudiosos do assunto enfrentam dificuldades até para obter dados estatísticos sobre a atividade jurisdicional e administrativa dos juízes e dos tribunais.
Mesmo assim, os estudos começam a aparecer. Armando Castelar Pinheiro, do BNDES, observou os efeitos da crise na economia e desenvolveu modelos para avaliar por que os julgados afetam decisões dos agentes econômicos.
Castelar evidencia que falhas na proteção aos direitos de propriedade interferem negativamente nas decisões de investir, especialmente em atividades que produzem retornos a longo prazo. O crédito imobiliário é um claro exemplo.
Roberto Fendt Jr. e Amaury Temporal, em estudo para o Instituto Liberal, apontaram o efeito da Justiça do Trabalho nos custos de transação da economia, mostrando que ela tem fracassado exatamente onde deveria triunfar: na solução dos conflitos.
Muitos magistrados já se deram conta do problema. Walter Ceneviva analisou sábado passado, na Folha, as opiniões do ministro José Celso de Mello Filho, presidente do STF, entre as quais a necessidade de mudar o sistema processual.
Enquanto não se consegue romper as barreiras, é preciso pelo menos contorná-las, como vai tentar o governo com o projeto da alienação fiduciária dos imóveis.
Vejamos a segunda das reflexões acima, relacionada com o imenso potencial do novo sistema de financiamento imobiliário.
Estima-se que o déficit habitacional da classe média brasileira atinja pelo menos 6 milhões de residências. Se o novo sistema vingar, nos seus primeiros anos poderá financiar em torno de 600 mil residências por ano. O mercado continuará imenso.
O novo sistema irá além da construção residencial. Sem as peias da regulamentação estatal, financiará shopping centers, indústrias, hospitais, edifícios comerciais, empreendimentos voltados para o lazer e outros.
Há um enorme campo a explorar por parte das instituições financeiras e das empresas integrantes da cadeia produtiva da indústria e do comércio de imóveis.
A importância social do processo é inequívoca. A construção civil responde por quase 5 milhões de empregos, a maioria deles ocupada por mão-de-obra não qualificada. Gera 8% do PIB e cerca de dois terços do investimento.
Ao contrário da indústria de bens de consumo durável, sua expansão tem baixo efeito nas contas externas, dado o seu baixo coeficiente de importações.
Nunca é demais lembrar: a estabilidade monetária será fundamental para que a esperança no novo sistema se concretize. Como o fracassado SFH provou, não há antídoto, nem mesmo a correção monetária, contra a força destrutiva da inflação.

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