São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Gênero em revista

BILA SORJ

cadernos Pagu", no seu quarto ano de existência, vem se consagrando como uma das melhores revistas em ciências sociais do país. Focalizando estudos de gênero, os volumes são organizados ao redor de uma temática específica, e publicados duas vezes por ano.
Uma marca forte da revista é sua vocação para a polêmica. Ao final da leitura de cada número, ficamos convencidos de que as questões debatidas envolvem complexidades e sutilezas que a concepção corrente tende a trivializar. Um bom exemplo disso é o último número duplo, dedicado ao tema "Raça e Gênero". Já na apresentação, Sueli Kofes nos convida para uma reflexão sobre o que diferencia e o que há em comum entre essas noções, além de revelarem que os corpos são espaços privilegiados de inscrições e sentidos.
As diferentes seções que compõem a revista -artigos, debates, comentários, documentos- oferecem ao leitor uma variedade de conteúdos e estilos que tornam a leitura bastante agradável.
Em "Sexo Tropical: Comentários Sobre Gênero e 'Raça' em Alguns Textos da Mídia Brasileira", Adriana Piscitelli -tomando como referência artigos publicados em revistas de grande circulação nacional e reportagens transmitidas pela televisão sobre a "venda" da sensualidade nacional aos estrangeiros- nos instiga a pensar no imbricamento de diferentes categorias de diferenciação social como gênero, classe, cor e nacionalidade. Mariza Corrêa, em "Sobre a Invenção da Mulata", percorre o nosso imaginário racial através da figura da mulata, tão contraditória que, ora parece renegar, ora confirmar um ou outro sistema de classificação: racial e de gênero. Em "As Mulatas que não Estão no Mapa", de Antonio Jonas Dias Filho, encontramos uma reflexão de como o circuito internacional de turismo sexual em Salvador interfere na construção de identidades raciais e de gênero por parte dos envolvidos neste mercado. "Educação, Raça e Gênero: Relações Imersas na Alteridade", de Nilma Lino Gomes, propõe uma articulação entre antropologia e o campo da educação para investigar o conjunto de estereótipos racistas presentes no imaginário social brasileiro e seu impacto sobre as ideologias, carreiras e práticas pedagógicas de professoras negras em uma escola pública. Em "Brasileiros e Brasileiras: Gênero, Raça e Espaço para a Construção da Nacionalidade em Cassiano Ricardo e Alfredo Ellis Jr.", Candice Vidal e Souza trata do lugar do gênero e da raça como categorias de ordenamento de discursos construtores da Nação -especialmente dos discursos da miscigenação-, nos quais a posição subordinada do feminino pode se alterar em função da combinação racial ao qual está associada. Contribuindo, também, para a análise da formação nacional brasileira, em "Gênero e Raça: A Nação Construída pelo Futebol Brasileiro", Marcos Alves de Souza aponta para o processo de essencialização do nacionalismo brasileiro (que encontra uma dimensão privilegiada no futebol) e sua semantização em bases raciais e de gênero.
Vítima da exclusão acadêmica nos anos 40 e reivindicada hoje como pioneira de uma etnografia feminista sobre mulheres afro-baianas, a produção intelectual de Ruth Landes é analisada por Mark Healey em "Os Desencontros da Tradição em Cidades das Mulheres: Raça e Gênero na Etnografia de Ruth Landes".
Em "Mediações Femininas e Identidades Pentecostais", Patrícia Birman analisa o papel das mulheres ligadas à Igreja Universal como mediadoras entre as esferas do sagrado e do profano, e que criam um campo de continuidades entre crentes e não-crentes mediante uma apropriação seletiva da cultura afro-católica. Em "A Ideologia do Crossover e a sua Relação com o Gênero", Angela Gillian introduz o conceito de "crossover", componente complexo da ideologia racial norte-americana, que se refere às transformações da música e dos comportamentos culturalmente significativos dos músicos, em virtude da adaptação ao mercado "presumido", isto é, à cultura da classe média branca.
Este número traz, ainda, um interessante debate, realizado na Unicamp, entre acadêmicos e o editor da revista semanal "Raça Brasil". A atualidade do assunto, as novidades que introduz e a polêmica provocada por tal publicação, autodenominada "revista dos negros brasileiros", torna este número ainda mais necessário para os estudiosos das relações raciais no País.
A leitura da revista nos estimula a pensar como os debates sobre raça, da mesma forma que o discurso sobre o assunto, alargam a compreensão de como o feminino e o masculino são pensados na nossa sociedade.

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