São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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O ciberespaço nasceu com "Ulisses", em 22?

GISELLE BEIGUELMAN
DO UNIVERSO ONLINE

Na Internet, "Ulisses" (1922), de James Joyce, tem sido relido como uma obra que antecipou o imaginário do ciberespaço. Ensaios disponíveis na rede discutem desde a presença de um núcleo ciberespacial até suas afinidades com a teoria do caos.
Esses ensaios são acessíveis por meio do site do Bloomscyberday (http://www.uol.com.br/bibliot/bloomsday). O Blomscyberday é um web-evento promovido pelo Universo Online em associação com o "Irish Times on the Web", serviço on line do maior jornal da Irlanda, para homenagear James Joyce e "Ulisses".
Essa obra, considerada uma das mais importantes da literatura contemporânea, narra um dia na vida de Leopold Bloom.
A ação se passa no dia 16 de junho de 1904. Em homenagem ao autor, e ao seu personagem mais famoso, comemora-se nesse dia o Bloomsday.
O uso que James Joyce fez de diversos recursos sonoros e cinematográficos em sua obra conferiu ao trabalho um inequívoco caráter multimídia. Isso pode explicar a profusão de abordagens sobre o autor na Internet.
Mas não é esse o aspecto que subsidia as hipóteses dos críticos que vêm discutindo sua obra como antecessora do seu imaginário.
O que se destaca na definição de "Ulisses" como pré-história do ciberespaço é sua estrutura temporal e o papel que as localizações espaciais desempenham na narrativa.
Experiências
A obra mais famosa de James Joyce é dividido em três partes e é organizada de forma descontínua, a partir das experiências particulares dos personagens principais. Essas experiências fundem os fluxos mentais à vivência da rotina cotidiana e ao tempo público.
O texto se constrói a partir da superposição do "aqui e agora" com o "lá e então", embaralhando as categorias de passado, presente e futuro. Como diz Leopold Bloom, o protagonista: "Passado foi é hoje. O que agora é será então amanhã como agora era ser passado ontem."
No que diz respeito aos locais em que se passam as ações, um estudo publicado em uma revista especializada on line, "Hypermedia Joyce Studies -Phoenix Ex Machina: Joyce's Solicitation of Hypertext", de Lawrence James chama a atenção para o seu caráter de "não-locais", marcos de experiências e não de referência.
Desse ponto de vista, os espaços físicos em "Ulisses" seriam uma das infinitas variáveis em jogo na composição dos acontecimentos vividos pelos personagens.
Joyce pertence ao mundo que viveu o impacto das grandes invenções oitocentistas: telégrafo, telefone, fotografia, máquina de escrever, as rotativas, eletromagnetismo, fonógrafo e luz elétrica.
Foi contemporâneo da construção da Torre Eiffel, da primeira transmissão transatlântica radiofônica, do aeroplano, da teoria da relatividade, enfim, da conversão do cotidiano em experiência teleguiada.
Isso sem dúvida contextualiza o romance e a própria estrutura de temporalidades múltiplas, mas os adeptos das teorias que aproximam a obra de James Joyce do imaginário da Web frisam que essa relação reside na tecnologia de produção das imagens literárias.
Uma tecnologia voltada para a ação integrada de diversas formas de expressão e recursos de comunicação que relativizam a própria noção de multimídia, para criar uma poética da construção da realidade através de seus fragmentos virtuais.
A grande variedade de sites sobre James Joyce na Internet parece reiterar o ponto de vista dos "ciberanalistas".

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