São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997 |
Próximo Texto |
Índice
Médico é treinado para 'guerra' no Rio
DANIELA FALCÃO
Os médicos brasileiros precisam ter as mesmas habilidades dos de países que estão em guerra civil, como a da Bósnia, porque a ação dos franco-atiradores nesses locais assemelha-se às balas perdidas de fuzis que atingem os cariocas. O treinamento começou com uma equipe de médicos norte-americanos especializados no tratamentos de politraumatizados -pacientes com vários ferimentos. Os especialistas são, na maioria, neurocirurgiões que se acostumaram a atender a vítimas de fuzis como o AR-15 ou o AK-47. Durante o treinamento, os médicos aprendem a tratar de várias lesões ao mesmo tempo e estancar hemorragias profundas causadas pelos ferimentos de AR-15. Como entram no corpo da vítima em altíssima velocidade e explodem em seguida, as balas desse tipo de fuzil demandam intervenção imediata. As balas de fuzis, ao contrário das de pequeno calibre dos revólveres, estraçalham tecidos e ossos. Medo A invasão de vítimas e autores da violência urbana nas emergências dos grandes hospitais obrigou também médicos e enfermeiros a estabelecer um código próprio de conduta de modo a garantir sua segurança sem desrespeitar a ética. "Quando a polícia chega ao hospital trazendo um traficante baleado, a tensão aumenta visivelmente", diz o vereador carioca Paulo Pinheiro, que dirigiu o Hospital Municipal Miguel Couto (zona sul do Rio) de 1991 a 1996. O Miguel Couto tem a mais bem equipada emergência do Rio. Embora fique na zona sul, recebe pacientes de toda a zona norte e Baixada Fluminense por causa das deficiências dos demais hospitais. Para entender melhor o impacto da violência urbana no sistema público de saúde, pesquisadoras da Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz) passaram o segundo semestre de 95 e boa parte de 96 acompanhando a rotina de duas das mais movimentadas emergências do Rio: a do Miguel Couto e a do Hospital Salgado Filho. A pesquisa, concluída há um mês, analisou as implicações da violência no relacionamento médico/paciente e fez um levantamento do impacto que o atendimento às vítimas da violência tem nos gastos públicos com saúde. A ameaça de que assaltantes tentem resgatar um colega atendido no hospital acrescentou mais um ingrediente à já tensa rotina das emergências: o medo. A partir de 94, as tentativas de resgate -inimagináveis na década passada- se tornaram mais frequentes. Uma das mais graves ocorreu no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Criminosos, usando fuzis AR-15, invadiram o hospital, abordaram um médico e obrigaram-no a indicar onde estava um rapaz ligado ao tráfico de drogas. Outra transmutação por que tiveram de passar os médicos para se adaptar à nova realidade foi se tornarem técnicos frios, rejeitando qualquer tipo de contato mais íntimo com os pacientes. LEIA MAIS sobre a violência nos hospitais do Rio às págs. 2 e 3 Próximo Texto: Paulistano apóia 'rodízio de resultados' Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |