São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Fundo previdenciário

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

O projeto de emenda constitucional do senador Beni Veras está incluindo a proposta de criação de um Fundo de Reforma do Estado (FRE) para pagar a conta dos aposentados do setor público. Essa conta, hoje tratada como despesa corrente do Tesouro, é uma dívida pública assim como a dívida mobiliária ou o rombo do FGTS.
A novidade, proposta por Raul Velloso, está em tratar esses gastos previdenciários como uma dívida fundada. Separando-se essas despesas das demais, e criando um fundo securitizado para pagá-las, aliviam-se os gastos do Tesouro. O fundo reuniria ações, imóveis, outros ativos e mais alguma receita do Tesouro suficientes para pagar os direitos trabalhistas por meio da venda, ao longo do tempo, dos ativos e receitas recebidos.
Essa é uma aplicação prática, embora parcial, da idéia de "fundar a dívida pública", que já defendi inúmeras vezes, a primeira delas na Folha de 18 de janeiro de 1989. Lá pelos anos 80, essas idéias de dívida fundada estavam praticamente esquecidas no Brasil, e foi buscando inspiração em autores clássicos de finanças públicas, como Alexandre Hamilton, que vi a necessidade de ressuscitar esses conceitos no país para dar um tratamento adequado à dívida pública interna.
Repito um parágrafo que escrevi no artigo de janeiro de 1989: "Fundar uma dívida significa estender os prazos de um endividamento de curto prazo, dando em troca maiores garantias de pagamento. O objetivo básico da medida é desafogar as finanças públicas, evitando o repúdio da dívida".
Em outro parágrafo dizia: "Vejamos como fundar uma dívida. Uma diretriz de boa finança é fazer provisões regulares para o pagamento de dívidas passadas. O 'sinking fund' foi proposto pela primeira vez na era moderna por sir Robert Walpole, em 1717, na Inglaterra e adotado em outros países, inclusive por Alexandre Hamilton (o pai das finanças americanas), que fundou a dívida americana (em 1970)".
A minha tese sempre foi a de que a dívida pública mobiliária, por ser de prazo muito curto e vir onerada por juros muito altos, precisa se tornar uma dívida fundada com prazos maiores e juros menores, mas dando em troca ativos e receitas que garantam seu pagamento. Infelizmente, alguns economistas torpedearam a idéia.
Agora temos a idéia incorporada em uma emenda constitucional, embora aplicada apenas a um dos passivos do setor público. O mérito de Raul Velloso foi ter visto que dar um tratamento sólido à dívida trabalhista do governo garantirá a esse grupo de credores uma boa proteção. Mas, resta a questão, e as outras dívidas públicas?
Já que se discute a reforma do Estado e todos sentem que é preciso consolidar as bases fiscais do real, é um bom momento de se colocar em discussão a necessidade de dar à dívida mobiliária o tratamento que ela requer, ou seja, fundar a dívida.

Álvaro A. Zini Jr., 44, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP.

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