São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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O ex-amigo

JUCA KFOURI

Tenho recebido vários recados de um ex-amigo, enviados de diversos lugares, de São Paulo à Bolívia, passando pela França.
Ele abdicou da tarefa de informar sobre os bastidores sujos do futebol e se transformou em uma espécie de porta-voz extra-oficial da Casa Bandida do Futebol.
Os recados são generosos, diga-se de passagem. Ele está preocupado comigo, teme que eu perca meus poucos leitores, pois está convencido de que você só quer saber de futebol, de bola rolando, de esquemas táticos, de notas sociais sobre o número de filhos do craque fulano ou beltrano ou, até mesmo, sobre quantos Silvas defendem hoje a seleção.
E está convencido, também, de que não há mais razão para criticar a CBF, tão bons são os resultados obtidos pela atual gestão.
Verdade que ele não teve nem a coragem de revelar sua nova postura aos que o liam quando ainda exercia as funções de jornalista de verdade.
Lamento não poder atendê-lo, não só por achar que é obrigação dos verdadeiros jornalistas contar aquilo que sabem -o que é diferente de contabilizar Silvas ou Souzas-, como é direito do leitor ter acesso aos bastidores.
Bajular os poderosos, sentar à mesa com eles e ficar com a sensação de que participa do poder é coisa para quem abandonou a profissão. De nada adianta ter informações que não sejam compartilhadas com o leitor.
Jornalistas muito bem informados e leitores absolutamente desinformados compunham a realidade dos tempos da ditadura, na maioria das vezes devido à censura, outras por mera distorção.
Mas meu ex-amigo insiste que o leitor brasileiro quer saber é da bola na rede, dos gracejos do ídolo, ou da agenda de viagem do cartola.
O curioso é que as cartas que recebo e, principalmente, os e-mails (jkfouri@uol.com.br) revelam o contrário.
Diria que, no mínimo, é um consolo, pois tem gente, por pouca que seja, que prefere saber como as coisas são tramadas, curiosa em ser esclarecida por que nosso futebol é de primeira categoria dentro de campo e de quinta fora.
Quem sabe, assim, um dia, tomara que próximo, eu possa me dedicar só a exaltar o talento do atleta brasileiro, mesmo que os cartolas de hoje passem a viver gastando o que amealharam em Miami.
Até porque, praias por praias, mil vezes as do Ceará, como meu ex-amigo muito bem sabe.

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