São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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QUEM MANDA NO GOVERNO?

Quais forças e figuras políticas determinam a atuação do governo? A questão vem sendo recolocada desde o pacto PSDB-PFL, em 1993, e muitas vezes abordada de modo simplista. O tema voltou com força ao noticiário quando o PFL passou comandar a base governista na Câmara.
Antes de voltar a tratar do balanço de forças no pacto político que comanda o país, é importante lembrar um ponto novo nesse debate: o círculo mais íntimo do poder veio recentemente a público questionar, ainda que sem contundência, a utilidade da grande aliança em torno do presidente. De que serve o compromisso com tantos partidos e facções partidárias se esse bloco governista não aprova as reformas preconizadas por Fernando Henrique Cardoso?
Tendo em vista que a campanha eleitoral para 1998 já começa a se desenrolar, essa pergunta, que partiu da assessoria direta de FHC, pode ser tomada como um momento de retórica no jogo de definição de espaços dentro da aliança situacionista. Não está à vista de ninguém a hipótese de que FHC concorra à reeleição escorado apenas no PSDB. Apesar do seu aspecto retórico, a partir dessa questão -aliança para quê?- pode ser desentranhado o modo de funcionamento do bloco situacionista.
Apesar dos frequentes boicotes de sua base na votação das reformas do Estado, o presidente FHC não tem razão para criar inimigos. Parece óbvio, mas explique-se melhor. O programa de governo é em parte tocado como os tucanos, e quase só eles, querem. Nesse ponto, não haveria por que brigar. No entanto, outros projetos precisam de votos de aliados, mesmo que incertos. Por fim, a manutenção do atual esquema de poder e da sustentação do hoje hegemônico projeto de desenvolvimento do país não pode correr o risco de perder os votos que PFL e PTB, além de novos agregados, são capazes de garantir em certas regiões do país.
O essencial do programa de governo é tocado pelo núcleo duro tucano da equipe econômica, por certos ministros e por "olheiros" mantidos em postos-chave dos ministérios cedidos na divisão política de cargos. Boa parte dos planos governamentais é implementada sem a necessidade de aprovação do Congresso. Muitos deles são relativos à base do Plano Real e, pelo consenso em torno deste, não recebem oposição frontal na aliança. No caso do recurso a MPs, os projetos são por vezes aprovados tacitamente pelos parlamentares, por omissão. Aqui, o PFL "não manda"; ao menos não toma a iniciativa, para dizer o mínimo.
Há as reformas essenciais para a consolidação do Real -as da Previdência e da administração pública, por exemplo. Elas afetam direta e evidentemente interesses da população ou dizem respeito a questões federativas, e vêm sendo barradas por parcelas de todos os partidos situacionistas, mas FHC não tem como aprová-las sem seus aliados. Aqui o PFL também não manda; sua reação parlamentar, porém, ajuda a manter, contra intenções modernizadoras tucanas, a velha ordem clientelista.
É certo que o PFL aprova as linhas gerais do projeto de desestatização, desregulamentação e abertura da economia brasileira, o qual, porém, vem sendo em boa medida detalhado e tocado pelos tucanos. Pode-se dizer que, no pacto com o PFL, o partido jogou fora o seu lastro esquerdista -o núcleo de figuras que fundou o partido, hoje isoladas ou longe do poder. Mas daí a dizer que o PSDB perdeu sua identidade no governo compartilhado vai uma distância considerável. Ideólogos tucanos estão no governo ou muito próximos dele: Bresser Pereira, Paulo Renato Souza e José Serra, por exemplo.
É evidente que o pefelismo exerce poder e influência, seja por contaminação, corroendo o pendor "social-democrata" tucano, por exemplo, seja jogando seu peso parlamentar-eleitoral para reivindicar e obter seu quinhão fisiológico na administração e dos benefícios da imagem de sucesso do governo -abalada, mas ainda de grande valor. É, porém, difícil dizer que, apesar de todas as suas intervenções tópicas, o PFL define o programa de ação que, bem ou mal -dependendo do ponto de vista-, vem transformando parte da vida brasileira.

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